Sempre que alguém interpela um alentejano sobre a distância de um ponto ao outro a resposta que inevitavelmente irá obter é um reconfortante e sereno: “É já ali.” Mesmo quando o “é já ali” pode significar mais 30 longos minutos de viagem! Como pode uma expressão espontânea qualificar autenticamente um povo? A imensidão da planura alentejana rasga horizontes. O alentejano quando nasce vê sempre mais além. A orografia faz crer às gentes um Alentejo sem fim. Onde as serras não ousam intrometer-se e a terra lhes molda o caráter. E faz de cada alentejano um temerário dono do seu destino. Porque este… “é já ali”. E com ele nasce a certeza de ir. 

Por isso não estranhe, caro leitor, se algum dia se vir perdido no Alentejo sem fim e lhe responderem que o seu destino “é já ali”, saiba que quem lhe fala é um maratonista da vida. O caminho faz-se, sempre, caminhando. A natureza tem uma ordem. Foi ela que impôs de forma inclemente a sesta estival (ou folga como se diz por cá) no pino do calor. Que alimentou o anedotário nacional e que estereotipou o alentejano, pasme-se, como preguiçoso. Todos os alentejanos compreendem isto. A vida é um jogo de paciência. E não uma prova de velocidade. Não interessa apenas chegar. Lições que muitos descobriram agora. Mas que todos os alentejanos sabem naturalmente há muito.

A narrativa política de que se faz uso insiste no estreitamento das ligações físicas (rodoviária, ferroviária, aérea) preocupando-se apenas em chegar – aonde? – e nada disto é mais contrário à natureza de uma gente rústica. Qual o sentido da vida face à emergência de chegar? Para o alentejano, mais importante que a conjugação do verbo chegar, é ir. Pleno de significado. Quando vamos, aqui pouco interessa o tempo verbal, sabemos como vamos e porque vamos.

A ação política tem sido marcada pelo verbo ter. Houve um tempo em que todas as aldeias tiveram um pavilhão gimnodesportivo, arauto da modernidade do séc. XXI que os fundos europeus permitiram anunciar. Hoje são mais um amontoado de alvenaria abandonada, à semelhança de muitas casas caiadas de branco por essas aldeias fora. Chegou-lhes um aeroporto que nem para ir lhes serve. Terão uma autoestrada construída por lanços que se interrompem aos solavancos de ventos políticos contrários à natureza das coisas e soprados de outras latitudes mais a Norte! Para tudo isto hão-de surgir, sempre, os inenarráveis pagadores de promessas de conveniência. Que se perderão na espuma do tempo, sempre reservada àquele quadriénio entre eleições. Interregnos da vida política, alheios à ordem natural. Ou não fosse tudo isto normal. E depois? Bem, depois vamos continuar a ver aldeias sem gente, estradas sem carros, aeroportos sem viajantes, hospitais sem médicos e o Alentejo sem um futuro. O alentejano não tem, o alentejano vai. Por que o futuro “é já ali”, mesmo que seja noutras geografias, uns graus acima ou uns graus abaixo. Mas inelutavelmente longe do Alentejo. Para quebrar o enguiço, falta cumprir esta narrativa mobilizadora do génio alentejano – conjugada no verbo ir. À pergunta: Onde queremos chegar? Respondemos: já sabemos que vamos.

A construção da narrativa da chegada deve ser um empreendimento das lideranças. A quantos líderes não bastaria tão-somente a vontade de ir dos seus seguidores? São estas lideranças que se devem mobilizar em torno deste interesse: fazer do Alentejo sem fim, maior. É esta narrativa que vai e faz já ali o Alentejo de futuro.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR