Neste arranque de ano, a esmagadora maioria dos analistas económicos prevê uma recessão ou um crescimento anémico em 2023 nas economias desenvolvidas, e um crescimento da economia global abaixo de 2%, o mais baixo em 30 anos, com exceção das crises de 2009 e 2020. O impacto dos preços de energia na produção industrial, a redução de consumo privado pela perda de poder de compra, as taxas de juro mais elevadas a reduzirem o investimento, e a incerteza geopolítica, tudo aponta para um ano económico difícil. Os índices de confiança económica estão historicamente baixo e os anúncios de despedimentos nas grandes empresas tecnológicas sucedem-se.

E, no entanto, as bolsas europeias, e a portuguesa em particular, tiveram um arranque do ano fulgurante. Ou os mercados estão completamente errados ou os investidores preveem algo que os analistas e decisores económicos ainda não interiorizaram.

E se 2023 viesse a ser um excelente ano para a economia europeia e, em particular, para Portugal?

Este é o argumento contracorrente que gostaria de apresentar neste artigo como forma de estimular o debate económico.

Em primeiro lugar, o céu não vai cair em cima da economia europeia. Um inverno ameno mas chuvoso permitiu manter largamente intactas as reservas de gás e reduziu o estado de seca, potenciando a produção hidroelétrica. Entretanto, algumas interrupções na produção de energia nuclear em França estão a ser corrigidas. Os mercados têm dificuldade a ajustar-se a choques muito abruptos, mas têm uma capacidade de ajustamento relativamente rápida e temos assistido a uma progressiva normalização dos preços da energia e à diversificação no abastecimento de gás na Europa central. Entretanto as empresas adaptaram-se ao choque energético melhor do que o antecipado, com alguns apoios públicos.

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A inflação aparenta estar a reduzir-se do pico atingido no Outono, fruto do aumento das taxas de juro do BCE e das políticas de controlo de preços e salários dos Governos. É importante notar que com taxas de juro de 2% e inflação de cerca de 8% na Europa em 2022, as taxas de juro real nunca foram tão negativas como este ano. Mas o relativo controlo dos preços pode moderar a agressividade do BCE nos aumentos dos juros, podendo estabilizar a suas taxas entre os 3% e 4% em 2023, consistente com um objetivo de inflação de 2%. Assim continuaríamos com taxas de juro negativas em 2023, mas regressando à normalidade económica em 2024 com taxas de juro reais positivas, importante para incentivar a poupança e reduzir a especulação.

Entretanto, este período de inflação levou por um lado a um aumento das receitas fiscais face aos custos do Estados, reduzindo déficits orçamentais e permitindo uma redução da dívida sobre o PIB em quase todos os países europeus e, em particular, Portugal. Isso permite minorar este perigo da falta de sustentabilidade das dívidas públicas, em particular os países do Sul, França e Bélgica. Ao mesmo tempo, com contas folgadas, os governos têm mais margem para estimular a Economia se necessário.

Mesmo o despedimento em larga escala nas grandes empresas tecnológicas pode não ser mau a médio prazo, pois esta era uma área de grande escassez de talento e salários muito elevados. A maior parte destes profissionais encontrará rapidamente emprego em start-ups, scale-ups e empresas da economia tradicional, aliviando alguma pressão sobre o mercado de trabalho.

Adicionalmente, os lucros da generalidade das grandes empresas industriais e de bens de consumo poderão ter tido um 2022 muito positivo, fruto de um aumento de preços num contexto de não equivalente aumento de custos. O ano de 2023 pode, em parte, manter a tendência, beneficiando em particular o setor bancário que, tendo tido um ano de 2022 desafiante, entra com excelentes perspetivas para 2023, a remunerar depósitos a taxas baixas enquanto gera mais receita com os juros dos seus empréstimos, às quais soma as receitas de comissões e serviços.

Quanto ao investimento, é verdade que as mais elevadas taxas de juro irão reduzir a capacidade de as empresas se endividarem para investir, e haverá mais escrutínio nos investimentos a realizar. Por outro lado, o PRR, ao entrar atrasado nas Economias, vai ajudar a relançar investimentos do Estado e das empresas, pós-crise energética de 2022 em vez de ser pós-covid de 2020. Ironicamente, e dado o atraso, o PRR apanhou o ciclo económico seguinte.

A grande incógnita é o comportamento do consumo privado, o qual deverá ter tendência a reduzir-se pela perda de poder de compra em termos reais. Só não se reduziu mais porque os consumidores estiveram a usar as poupanças acumuladas em tempo de COVID, mas esse efeito em breve passará. Aqui será inevitável haver alguma restrição no consumo em 2023, mas se o ano arrancar bem e o mercado de trabalho se mantiver perto da taxa de desemprego natural e com escassez de mão de obra em alguns setores, os consumidores poderão ter a confiança de não reduzir muito o consumo, usando um pouco mais das suas poupanças.

Todos os efeitos económicos que aqui escrevi para a economia europeia se aplicam também à economia portuguesa e com mais força, dado o peso da energia hidroelétrica, a maior distância à zona de crise geopolítica, o elevado peso do PRR na Economia e a boa situação das contas públicas. E Portugal tem outros ventos potencialmente mais favoráveis que a média europeia. O nível de investimento estrangeiro em Portugal está em máximos, pois a reestruturação das cadeias de valor globais e a instabilidade geopolítica na Europa de Leste muito beneficiam o sul da Europa. O turismo, pelas mesmas razões, poderá ter um novo ano recorde, continuando a puxar pela Economia. A continuação do afluxo de imigrantes para Portugal pode ajudar a suster o mercado imobiliário e o consumo privado.

Em suma, no meio de todas as expetativas negativas, há um argumento possível de fazer de que este novo ano de 2023 possa ser um ano bom para a economia europeia e muito positivo para Portugal. Mas, se vier a acontecer, não se pense que nada precisa de mudar – use-se esta folga para reflectir e agir sobre os muitos desafios do País no médio-longo prazo.