Não é verdade que em cada relação existam dois traidores. Nem que as relações sejam, facilmente, descartáveis. Ou de deitar fora. Mesmo que não sejam tão amorosas como todos desejamos que elas sejam.

É verdade que a imaginação é o paraíso fiscal das infidelidades humanas. E que, dependendo das alturas, é verdade que trazemos à memória bocadinhos de relações que esmoreceram pelo caminho. Sobretudo quando atentamos nalgum pormenor que elas tinham de melhor. E que fantasiamos, em segredo, a propósito de alguém atraente numa “relação” imaginária. E, sim, é verdade que isso são pequenas traiçõezinhas com que embalamos com a imaginação aquilo que nos falta.

É verdade que a maioria de nós se sente, muitas vezes, mal amado. Não porque a pessoa que temos ao lado passe de príncipe a sapo num instantinho. Mas porque, subtilmente, deixa de ser, aos nossos olhos, tão bonita como precisamos que ela seja. Porque nos distraímos e desmazelamos. Porque falamos, vezes demais, entredentes e por meias palavras. Ou porque nos deixamos ir pelas rotinas dos dias adentro e tudo parece mais urgente do que o amor. É por isso que, hoje, estamos perto da pessoa que temos ao nosso lado e, amanhã, em função de pequenos-nada que se acumulam, nos “divorciamos”. Mais um bocadinho. E fazemo-lo mais, ainda, à medida que construímos a ilusão que ela deixou de ter segredos ou mistérios e que não é preciso que a “conquistemos” outra vez.

É verdade que, olhando em redor, somos capazes dum galanteio. E de namoriscar. E que observamos. E que pensamos. Muito! Mas há, sobretudo, faz de conta nisso tudo. Porque entre o fantasiar e o pensar a sério sobre aquilo que falta a uma relação, e exigir mais dela e namorar, ou reagir num impulso, sendo-lhe infiel, há distâncias – imensas – a calcorrear.

Por tudo isso, não é verdade que em cada relação existam dois traidores. Por mais que quem traia a preceito use e descarte as relações para confirmar que o amor é só  uma ilusão. Depois, os que imaginam que todos traem, traem-se a si mesmos quando se vergam ao medo do amor, embargando-se com os lados feios que imaginam que há nos outros. Os que restam, amam-se. Com dúvidas, por vezes. Mas são de menos. E isso é mau.

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