Não consigo não estar dividido ao escrever estas linhas. Se, por um lado, sou um (fervoroso) adepto; por outro, não posso ignorar que sou designer.
Este texto não é sobre desporto. Muito menos sobre design. Ou melhor, este texto é na realidade sobre desporto e sobre design.
É neste texto que o adepto e o designer se encontram na mesma pessoa que discorda de si própria.
Este texto pode até ser sobre cultura, porque há também uma evidente dimensão cultural associada ao desporto, aos clubes, ao futebol.
A personificação dessa cultura acaba por ser veiculada por uma camisola, por um estilo, por um símbolo ou por uma marca. E é aqui que o adepto discorda do designer: se, por um lado, são os ciclos de inovação e reinvenção que nos fazem avançar, é também a tradição e o sentimento de pertença que nos ligam afectivamente a um objecto, a uma marca, a um clube.
Este texto, é sim, sobre paixão! Paixão pelo clube e paixão pela profissão.
Recuperando a pergunta, e se o Benfica quiser ir nesta onda de inovação e mudar a sua marca? Mudar o seu símbolo?
Os símbolos do Benfica manter-se-ão inalterados, creio. Serão o Eusébio, serão a águia, serão a utilização abusiva do vermelho. A marca gráfica, que também simboliza, sinaliza e identifica o clube essa sim, poderá ser alterada.
Atrevo-me a dizer que não podemos apagar o Eusébio nem aniquilar a águia, mas podemos abandonar a roda da bicicleta com a águia por cima.
Mas… será mesmo que podemos?
Melhor ainda, será que queremos?
A Juventus apresentou no passado dia 16 a sua nova marca. Abandonou o seu escudo tradicional listado a preto, que ao centro tinha o símbolo da cidade de Turim, um touro. A nova marca da Juventus, ou símbolo se preferirem, é uma representação tipográfica da letra “J” com uma linha à sua direita que a acompanha, como clara alusão às tradicionais riscas pretas presentes nos equipamentos do clube.
A Juventus deixa assim cair o seu escudo tradicional, deixa cair o símbolo da cidade e adopta uma linguagem mais conceptual, menos tradicional e extremamente indirecta.
Pode ler-se no site do clube que esta nova representação visual “é capaz de representar não apenas um clube de futebol, mas uma identidade, um sentimento de pertença, uma filosofia. É um símbolo contemporâneo na medida em que transmite a sua mensagem de forma eficaz em qualquer formato físico ou digital. (…) A Juventus abraçou a dinâmica da modernidade e está determinada ser um percussor da mudança.”
O Manchester City fê-lo no ano passado. Recuperou o tradicional símbolo circular com o navio ao centro e abandonou a águia “brazonada” que usou entre 1997 e 2016.
O Ajax de Amesterdão também o fez em 1990. Até então o clube usava como símbolo a mesma representação que usa hoje, o guerreiro grego que dá nome ao clube, mas a imagem era deficitária quando explorada em termos comerciais. O restyling do símbolo do Ajax é no meu entender um dos melhores que já se fez até então. Manteve a dimensão conceptual e emocional, mas de modo mais abstracta. Onze linhas apenas traçam o novo símbolo, número que representa os onze jogadores da equipa.
O Ajax manteve o seu símbolo inalterado.
Com ou sem novas representações as dimensões simbólicas são sempre uma soma da dimensão emocional com a dimensão formal e representativa.
A Juventus deixa cair o touro e o escudo. O que se perde? E o que se ganha?
Ganha-se certamente mais pujança comercial. Ganha-se mais imagem, mais versatilidade, mais marketing se quiserem.
De acordo, mas… então e nós, os adeptos?
Perdemos dimensão emocional e afectiva?
Perdemos a paixão?
Ou reinventamo-la?
A discussão não está, creio eu, na qualidade do símbolo apresentado pela Juventus. Nem na qualidade do antigo, nem tão pouco nas particularidades do novo.
A questão está sim na afectividade, na emoção, na paixão do adepto e claro, na coragem do clube.
Será mesmo coragem? Ou será reposicionamento comercial?
Li algures, um texto do designer Pedro Albuquerque, onde ele referia que se o valor de uma marca é calculado através do somatório de todas as experiências que proporciona ao seu público, uma marca de um clube de futebol é muito, mas mesmo muito mais do que isso: é a personificação do culto e a ostentação do vício.
Esta combinação entre experiências, culto e vício está restrita a um grupo muito reservado de marcas, apenas equiparável a religiões, grupos políticos e claro… clubes desportivos.
A experiência que um clube me proporciona é alavancada pelo culto e pelo vício. O meu culto não admite um erro do árbitro e o meu vício mantém-me agarrado à cadeira do estádio mesmo quando estou a perder por 3-0!
E acreditem que eu sei muito bem do que estou a falar!
Portanto, e recuperando mais uma vez a pergunta que me persegue, se o maior campeão italiano pode mudar radicalmente a sua marca, o Benfica também pode?
Vice Director no IADE da Universidade Europeia
carlos.rosa@universidadeeuropeia.pt