Pasma-me, verdadeiramente, viver num país em que os cientistas têm que lutar, gritar e implorar ao Governo vigente, e ao órgão do Governo que é a Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), para que possam fazer ciência. No limite, isto a acontecer, teria que ser o contrário.
Pasma-me, também, como é que depois de um ano atípico como este, em que se experienciou diretamente (espero eu),a importância da investigação científica, se continue a debater um assunto que nem deveria ser assunto sequer. Como é que existem concursos de estímulo ao emprego científico em que se acaba a dar ordenados apenas a uma percentagem muito marginal de quem os necessita? Como é que existem falhas e atrasos em decisões básicas, como permitirem o adiamento das entregas de teses para os Mestrados e Doutoramentos, ou prorrogarem o financiamento das bolsas para cobrir atrasos relacionados com a atual crise extraordinária? Neste último, os bolseiros andam há meses a alertar para o que está a ocorrer. Estão neste momento em processo de recolha de assinaturas para que alguém lhes possa dar atenção. Como é que, há um ano atrás, a prorrogação foi tão célere, mas num período igual ou ainda mais lesivo que se está a viver neste preciso momento, ainda pouco se fez? É vergonhoso.
A precariedade nas carreiras em ciência espelha a imagem fraturante do país e o subfinanciamento da investigação. Esta é chocantemente comprovada pela sistemática procura de condições melhores noutros países, por parte de quem quer fazer ciência, evidenciando o punho fraco na retenção e atração de talentos dentro das nossas fronteiras. As bolsas não são mais bolsas de investigação, mas sim bolsas de ar para quem depende delas e pouco mais do que isso. Para estes bolseiros nacionais que vivem na tangente, ao cêntimo contado, a incerteza de saberem como irão respirar nos meses que precedem o fim do seu vínculo é incomensurável. O que vem a seguir? Às vezes consegue-se outro concurso de bolsa favorável. Menos vezes ainda, consegue-se, com muita muita sorte, um contrato de curta duração. Assim conseguem respirar por mais um tempinho contado. Mas estabilidade? Isso é raríssimo. E quantos doutorados que o digam. Este ping-pong entre contratos lábeis cria um desgaste visível na carreira e motivação dos cientistas portugueses. Chega-se a um paradoxo um tanto ridículo: a estrutura que apoia a profissão progressista que é a investigação científica, é sinistramente retrógrada e draconiana. A irrisoriedade de PIB investido em ciência, ou a inexistência, por completo, de uma arquitetura concreta que apoie doutorados com fins não académicos, é símbolo de um país que desvaloriza o seu próprio desenvolvimento. Peca-se nas condições dos trabalhadores, mas também se peca na matéria-prima. A própria ciência, se não for financiada, será vã. Sem recursos e instrumentos para a pesquisa, e a sua posterior divulgação e exposição, não haverá avanço.
Pasmem-se, agora, todos os que lidam com estas decisões e parecem não saber: o recurso mais importante e valioso dos sistemas de investigação, não são as publicações, nem as avaliações, nem os laboratórios. São as pessoas. Os investigadores. Os cientistas. Os que parece, aos olhos do Governo e das tutelas, não merecerem profissões dignas. Sem eles não teríamos um carro para guiar, luzes para acender, remédios para tomar. Não teríamos histórias para ler, desenhos para ver, quadros para restaurar.
Sim, é grave. É grave perceber que a precariedade na ciência afeta o desenvolvimento e a progressão de todas as áreas. Vivemos com elas diariamente. É exatamente por isso que o que descrevo se torna num problema de todos. Vimo-lo de perto este ano. Os financiamentos para “esta” ciência de que falo, foram alocados e expedidos bem rapidamente. Só pedia que não se esquecessem de tantas outras, que sustentam a nossa vida e resolvem problemas bem mais velhos ou ainda vindouros. À luz destas condições, é inevitável perceber o seguinte: quem o faz, fá-lo mesmo por gosto.