No passado dia 30 de Dezembro foi comunicado pela Ordem dos Médicos Dentistas (OMD) que a vacinação destes clínicos que trabalham no setor privado em Portugal estaria prevista para a segunda quinzena de janeiro. Tal feito, que aplaudo, foi conseguido pela pressão exercida pela própria OMD à task force incumbida de levar a cabo o plano de vacinação contra a Covid-19 em Portugal. Algumas questões levantaram-se relativamente a esta decisão. Especialmente, se, de facto, é necessária a vacinação dos médicos dentistas, qual o racional para esta decisão e porquê na primeira fase.

Para mal de todos os profissionais de saúde oral, estamos perante uma pandemia causada por um vírus que facilmente se transmite por pequenas gotículas ou aerossóis. Aerossóis estes, que são inevitavelmente gerados em procedimentos dentários. Um simples procedimento de higiene oral desencadeia um risco de transmissão de SARS-CoV-2. Este risco é também partilhado no tratamento de cáries, cirurgias orais ou outros procedimentos diferenciais. Sendo impossível o distanciamento de procedimentos geradores de aerossóis, foram escrutinadas medidas para que os dentistas corressem o mínimo risco possível na realização de consultas. Estas incluem a adoção de protocolos rigorosos de infeção cruzada e o uso apropriado de equipamento de proteção individual (EPI) por parte da equipa. Havendo milhares de clínicas dentárias espalhadas pelo país, e atendendo, cada uma, dezenas de pacientes, ou mais, seria uma verdadeira calamidade e um enorme desastre para a saúde pública nacional, a existência de um despreparo por parte das clínicas para os riscos envolvidos na gestão de pacientes potencialmente positivos para a Covid-19.

A própria natureza dos cuidados de saúde oral põe os seus prestadores em risco. Só o facto de estes realizarem procedimentos na cavidade oral, ainda que não haja geração de aerossóis, acarreta uma possibilidade de transmissão, derivado do contacto ou salpico com fluídos contaminados. O SARS-CoV-2, por ser um vírus respiratório, tem expressão e presença na orofaringe e na boca, mediando-se pela saliva. Ainda assim, a baixíssima taxa de infeção por parte dos médicos dentistas confirma que os protocolos seguidos e os EPIs são mais do que seguros para afastar qualquer dúvida que a população possa ter sobre a sua visita.

Ainda que os números de infeção para a Covid-19 entre médicos dentistas seja muito baixa, a vacinação prova-se fulcral, uma vez que estes têm responsabilidade direta sobre todos os pacientes que atendem, sobre a sua equipa e, em última análise, para com a comunidade. Isto ganha ainda mais peso, tendo em conta que os procedimentos comuns realizados num dia-a-dia de um dentista são geradores de aerossóis, e, portanto, de alto risco para todas as pessoas que têm eventual contacto com o gabinete. Por ser um risco, este existe, mesmo quando todos os protocolos são seguidos, dada a existência de uma probabilidade de infeção, ainda que muito ínfima.

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É importante,ainda, referir que para além dos médicos dentistas, que chegam a 10 mil os que estão ativos em Portugal, as equipas são ainda constituídas por higienistas orais, assistentes dentários e outros colaboradores, que podem perfazer três a quatro vezes mais o número atual de dentistas. Será necessário contemplar a vacinação, revendo e integrando estes profissionais no futuro.

Adiar o tratamento dentário por várias semanas, meses ou até anos, pode fazer a diferença entre viver uma vida saudável e com qualidade, ou prolongar a dor, disfunções e, em última análise, o sofrimento. Afirmar tratamentos dentários como não essenciais é de uma profunda e perigosa ignorância, passando-se a seguir uma atitude de compartimentalização da saúde, desvirtuando-a como um todo. É como dar importância ao coração, ignorando um tumor na língua. Tratamentos dentários não podem, por isso, nem têm nada em si para que sejam considerados “rotina”, equiparando-os a marcações de cabeleireiros ou esteticistas. São rotina apenas para quem os presta. Para todos os demais são um tratamento médico, necessário e obrigatoriamente disponível, ainda mais essencial do que os exemplos anteriores, mesmo (e sobretudo!) em situação pandémica. Assim, minimizar os riscos de transmissão entre profissionais de saúde oral através de uma vacina, não só os protege a eles e à comunidade, como garante que os cuidados de saúde oral sejam prestados durante o estado atual em que vivemos.

Os médicos dentistas poderão não estar linha da frente, (e aqui é importante dar todo o merecido mérito aos profissionais de saúde que dia após dia combatem diretamente a Covid-19), mas dão a cara diariamente, expondo-se a procedimentos de alto risco exercidos em potenciais portadores de SARS-CoV-2, para que estes possam melhorar a sua condição de saúde oral. E isto, creio eu, também merece reconhecimento e, sobretudo, uma prioridade na vacinação.