As amizades permanecem vivas na nossa consciência, mesmo quando se perdem no rodopio dos anos. Costumo imaginar que todos os amigos que a vida afastou, por razões complexas ou simples, estão numa sala silenciosa, a observar-nos. Não de forma intimidante, mas como ecos da sua influência em nós.

As suas ações, valores e palavras moldaram-nos de maneiras que, muitas vezes, só percebemos passados muitos anos. Agora, assistem ao desenrolar das nossas vidas como espectadores atentos, curiosos por ver como o espetáculo continua.

Penso nos amigos de infância, aqueles que me ensinaram coisas simples, como nomes de cidades ao falarem das suas equipas de futebol favoritas. Alguns, pelo exemplo, inspiraram-me a explorar outros mundos, a descobrir certos filmes ou a ler determinados livros. Essa mentoria fraternal, espontânea e desinteressada, é um presente eterno que carregamos sem nos darmos conta.

Aristóteles dizia: “Uma amizade é uma alma que habita em dois corpos.” É uma frase que me faz reflectir sobre como cada amigo deixa algo em nós — por vezes, escondido em detalhes quase imperceptíveis. Pode ser um hábito, uma perspetiva única ou até uma expressão que repetimos sem nos lembrarmos de onde a ouvimos pela primeira vez.

O mundo tecnológico em que vivemos, no entanto, parece ter relegado as amizades para segundo plano. Já não precisamos da presença física para comunicarmos, e a ideia de autonomia total — alimentada pelos avanços digitais — criou a ilusão de que podemos viver sem depender de ninguém. Talvez possamos, mas, como dizia aquele anúncio de uma operadora de telecomunicações: “Não é a mesma coisa.”

Por vezes, conjugo hipóteses sobre o que alguns dos meus amigos de infância andarão a fazer. Será que os influenciei da melhor maneira possível? Prefiro deixar estas respostas a esvoaçarem pelo vento. “Deixar o pensar na cabeça”, já escrevia Álvaro de Campos.

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