Entrámos em setembro com uma carta aberta da Fenprof, que lembra os “malefícios” da municipalização, aqui. Confesso que na globalidade concordo com os argumentos anti-municipalização que nela estão apresentados.
No entanto, a carta peca por não apresentar soluções. Identifica os problemas que podem advir com o processo de municipalização, apela aos autarcas para que recusem o caminho, mas não aponta soluções. Ora, torna-se por demais evidente que a municipalização não é o futuro.
Convém lembrar que os últimos anos foram profícuos em políticas educativas aplicadas através de decretos-leis e até de despachos que foram a pouco e pouco destruindo a escola pública, desvirtuando a sua função, rebentando de vez com o já escangalhado elevador social. Podia enumerar os vários decretos e despachos que foram dando forma a uma escola que atualmente bateu no fundo, mas interessa-me mais apontar soluções que poderão bem ser o futuro e sobretudo a recuperação da escola estatal como elevador social.
Mas então por onde passará o futuro das escolas?
O futuro passará seguramente pela transferência de competências do Governo central para as próprias escolas. Eliminando da equação as autarquias, que apenas entrariam no processo como instituições cooperantes, e tornando-as verdadeiramente autónomas, chamar-se-ia ao palco das decisões os próprios atores educativos. Deixariam de ser meros executores de decisões que são, na sua grande maior parte das vezes, decisões com pouco fundamento e desajustadas à realidade. Parece-me pacífico para todos perceber que uma decisão tomada centralmente pode ter efeitos positivos em Lisboa, efeitos negativos em Viseu e ainda ser totalmente inócua em Chaves.
A única forma que vejo para elevar todo o sistema educativo é acreditar na decisão de proximidade, acreditar na capacidade das comunidades em se reinventarem, unirem-se a outros parceiros pedagógicos e sociais por forma a tomarem decisões concertadas em prol da comunidade que servem.
Com as escolas comunitárias tornar-se-ia natural a participação ativa dos professores, da sociedade civil, dos vários parceiros sociais e pedagógicos, pois o conceito aponta para o entendimento de que a educação diz respeito a todos os setores da sociedade.
Só com uma escola comunitária e autónoma é que os professores desempenhariam um papel relevante no que toca ao planeamento e conceção da reforma. Obviamente que em seguida haveria a fase do debate público, onde todos os interessados dos demais quadrantes da sociedade civil poderiam participar, posteriormente teríamos a fase de decisão política pelos órgãos de soberania e finalmente a fase de implementação e construção das soluções adotadas por parte da administração central, regional e local, pelas escolas, professores, alunos, famílias e comunidade em geral.
A participação dos cidadãos, da comunidade local, e o seu comprometimento com as decisões referentes à escola comunitária levaria a que todos se sentissem parte integrante e por sua vez escolheriam a escola comunitária que os servia sem que houvesse necessidade de fugir para o concelho vizinho à procura da escola pretendida.
A autonomia que hoje temos na escola é pura ilusão, uma vez que as decisões que possam vir a ser tomadas têm sempre de ter o aval ou não da tutela, que decide quase exclusivamente segundo o critério economicista e que raramente tem em conta as necessidades específicas das escolas. É isto verdade, por exemplo, na constituição de turmas, na atribuição de recursos e na organização de horários.
Entregar a autonomia às escolas seria o reconhecimento por parte da tutela de que há formas diversas de organizar, distribuir poder, repartir as responsabilidades e garantir a execução das diversas políticas. O sucesso de muitas escolas privadas está na sua génese comunitária. O caminho tem de passar por aqui, por uma Escola autónoma.
Uma escola autónoma e comunitária, mas responsável. A regulação destas escolas comunitárias seria feita através da celebração de contratos de comodato e contratos programa, o financiamento dependeria do projeto educativo e da sua durabilidade operacional, criando um serviço de educação de qualidade, com mais responsabilidade da escola e da comunidade onde se insere. Um modelo de escola comunitária obrigaria igualmente a um novo paradigma de gestão, melhorado, que passaria sobretudo por entregar toda a parte burocrática a um secretário administrativo libertando assim o diretor para a função mais pedagógica.
Concordo que a municipalização não seja a solução, mas garantidamente o atual modelo também não o é. O desafio de futuro tem de ser a capacidade de a escola ser autónoma, que saiba responder às necessidades e ao desenvolvimento integral dos alunos da comunidade, que consiga ter uma visão integral do desenvolvimento do meio social, cultural e económico que serve.
Será que a sociedade estará capacitada para dar este passo? E os professores seriam capazes de assumir o comando cooperativo de uma escola comunitária ou ficamo-nos pela crítica fácil nas redes sociais?
Caderno de Apontamentos é uma coluna que discute temas relacionados com a Educação, através de um autor convidado.