Ao longo dos últimos 46 anos, sobretudo dos 20 mais recentes, com a evolução da legislação, assistimos à progressão do debate sobre a educação, a missão da escola e as condições estruturais e de recursos do sistema educativo em Portugal, bem como da participação e do envolvimento das famílias e das comunidades locais. Uma evolução que se quer sustentada e intensificada na confiança e no compromisso entre parceiros, para promover uma real equidade de oportunidades e de proteção dos mais vulneráveis. A produção normativa relacionada com a educação evidencia que estas questões assumem relevância nas preocupações dos decisores. Mas, ainda assim, não se deve tomar o todo pela parte, nem a parte pelo todo e esta pandemia realçou a necessidade premente do que ainda, muito, há para fazer e evoluir, sobretudo para concretizar as intenções plasmadas na legislação.

Os dados mostram que as crianças e os jovens com a «sorte» de terem um suporte familiar consolidado (a família que transmite segurança, confiança e afeto, com capacidade socioeconómica favorecida) são as que melhor conseguem os seus objetivos académicos e sociais. Embora se perceba que esta tendência não é, nem tem de ser, uma fatalidade, não deixa de pôr em causa se a escola está a cumprir a sua missão. Por outras palavras, se a escola está a constituir-se como o elevador social, que tanto se diz pretender que seja. No entanto, não podemos desvalorizar o papel da escola e a sua importância na vida de tantas crianças e de tantos jovens.

Os recursos, ou a falta deles, são muitas vezes identificados como fator causador da ineficácia do trabalho desenvolvido e do insucesso, seja ele qual for. Sendo verdade que a escassez de recursos prejudica a capacidade de se concretizar, é também verdade que essa escassez exige melhor comunicação e cooperação entre todos os que assumem responsabilidades no sistema educativo. É sabido que a informação, a boa informação, é essencial para se conseguir com eficiência os resultados esperados. Contudo, tem-se assistido a diretores que não envolvem nem comunicam com as famílias (nem com as associações parentais, seus legítimos representantes) e, mais grave, com a pandemia, interpretam as orientações literalmente e decidem, às vezes de forma déspota, não deixar estes representantes eleitos entrar nas escolas, como se entrar na escola ao final dia ou ao início da noite, cumprindo todas as condições de segurança estabelecidas, constituísse maior perigo. Com decisões destas, só aumentam a desconfiança, afastam aqueles que melhor os poderiam ajudar e potenciam eventuais descontentamentos que só prejudicam a organização necessária em situações de crise. Persiste, em alguns, a dificuldade de reconhecer institucional e socialmente a missão das Associações de Pais e Encarregados de Educação como parceiros e legítimos representantes dos Pais e Encarregados de Educação. Felizmente, cada vez mais diretores, alguns autarcas e outros decisores percebem a necessidade imprescindível de envolver e estabelecer relações de cooperação entre os diferentes intervenientes no processo educativo.

A autonomia, institucional e individual, é a condição de quem pode fazer opções, tal como de quem quer assumir a correspondente responsabilidade. A autonomia e a liberdade são princípios que todos desejam, pessoalmente, para poderem fazer as suas escolhas, mas que muitos recusam com receio da consequente responsabilidade. Quando os resultados não são o que se esperava, ou quando algo indesejável acontece, é mais fácil e mais cómodo responsabilizar do que responsabilizar-se. Se os resultados escolares não são o que se esperava, a escola logo responsabiliza o aluno que não estuda e a família que “não sabe educar”, o que nalguns casos pode ser verdade, mas é preciso parar um pouco para refletir se a escola está a conseguir cumprir o seu papel de comunicar (dar e obter feedback), motivar e envolver. Por seu lado, a família atira as responsabilidades para o professor e para a escola, o que, algumas vezes, também corresponde à realidade, mas a família tem de fazer a sua autocrítica sobre se, e como, tem cumprido a sua responsabilidade no processo educativo. A Escola e a Família precisam entender que a parceria entre ambas e o respeito mútuo são primordiais para os próprios objetivos e para o bem das crianças e dos jovens.

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A Educação e a Escola não podem ser pertença só dos seus profissionais e das famílias. O Estado tem a responsabilidade fundamental de proporcionar os recursos e estabelecer as condições imprescindíveis à prossecução dos objetivos pretendidos no processo educativo. Compete ao Estado criar as condições para que haja boa comunicação e capacidade de conciliar o tempo da família com o da escola e o do trabalho. Mais do que pensar a educação como um fim em si mesmo, há que assumir a educação como um meio para se alcançar um bem maior. Por outras palavras, a educação não deve ser o objetivo final, mas sim o recurso que nos habilita ao pleno exercício da cidadania e da participação cívica, no respeito pela diferença e na criação de igualdades de oportunidades. Não adianta fazer a apologia do perfil do aluno e depois o que importa, o que o sistema pede, é uma classificação que permita o acesso ao ensino superior.

Para muitos parece que os problemas da educação e das escolas surgiram com esta pandemia. A falta de recursos, a falta de comunicação, a desconfiança, a discriminação dos mais vulneráveis, a ineficácia funcional das redes locais são questões que, infelizmente, testemunhamos com alguma regularidade, com ou sem pandemia. Não se pode conceder que não haja um espaço digno para as crianças fazerem as suas refeições que trazem de casa, ou que não se façam intervalos, deixando as crianças horas seguidas dentro da sala de aula, ou, ainda, como disse antes, se impeçam as associações parentais de reunir na escola e se atropele a lei com a eleição dos representantes dos pais de turma. Ainda assim, devo dizer que se tem progredido e que, com mais ou menos dificuldades, com ou sem pandemia, existem bons exemplos de liderança e de cooperação, o que nos inspira esperança.

A pandemia tem sido mestra ao impor o compromisso de saber confiar. Colocou o “sucesso” na educação com o foco no envolvimento e na cooperação entre a família, a escola e a comunidade. Percebe-se com muita clarividência que é preciso conhecer melhor a escola do(a) filho(a) e conhecer melhor a família do(a) aluno(a) para estabelecer uma comunicação eficaz. É tão mais importante que cada um assuma as suas próprias responsabilidades, quanto as graves consequências que o confinamento tem para a saúde psicológica, emocional, física e social das crianças, particularmente das mais vulneráveis, e das famílias. Por isso, a informação conjugada com uma reflexão crítica é ainda mais necessária para aconchegar a serenidade individual e social que tanto se precisa. Do mesmo modo, é preciso assumir atitudes e comportamentos responsáveis e cumprir as normas estabelecidas. As famílias e as escolas têm o dever de apoiar e orientar as crianças e os jovens nesse sentido.

Claro que há muito mais, desde logo todo o processo relacionado com a preparação e com os planos de contingência neste tempo de pandemia. Mas a questão da comunicação, do envolvimento, para gerar confiança foi e está a ser fundamental.

Bom ano letivo para todos.

Nota final: Acabam de sair os resultados de ingresso nas universidades. Parabéns a todos. O processo, influenciado pela pandemia, evidenciou a razão da CONFAP ao defender a necessidade de se debater e alterar o paradigma do acesso. Uma vez mais, os resultados dos exames demonstram que estes não são justos, influenciando de forma desigual o futuro dos jovens.

Caderno de Apontamentos é uma coluna que discute temas relacionados com a Educação, através de um autor convidado.