Há muito que a eficiência entrou no léxico do ciclo urbano da água, que engloba tanto o abastecimento para consumo humano como a recolha e tratamento de águas residuais. Infelizmente, esta palavra ainda surge mais como um objetivo do que como uma realidade.
As alterações climáticas mostram, todos os anos, que inverter este cenário é mais urgente do que nunca e que a neutralidade carbónica se impõe. Particularmente neste setor, onde existem enormes impactos das alterações climáticas, não é possível não cumprir com a sua quota parte para as reverter.
Estamos, porém, ainda longe de concretizar esses desígnios. Ao nível da eficiência, é certo dizer que estamos perante um setor que pouco ou nada tem avançado nos respetivos indicadores. Um dos mais graves recebeu, recentemente, considerável atenção, por representar um paradoxo difícil de explicar: num país cada vez mais ameaçado por cenários de escassez e seca, perdem-se, todos os dias, entre a origem e as nossas casas, 50 litros de água por habitante. 184 mil milhões de litros de água por ano. Não por “culpa” do consumidor, mas por culpa (sem aspas que a justifiquem) dos próprios operadores responsáveis pela sua gestão.
A promoção da eficiência hídrica é fulcral para o futuro do país. Contudo, não é a única resposta que o setor do ciclo urbano da água deve apresentar face às alterações climáticas. Isso seria muito limitador.
Considero que a melhor resposta que o setor deve ambicionar é, de facto, a neutralidade carbónica. Porquê? Porque fornecer água para consumo humano e recolher e tratar águas residuais exige um elevadíssimo consumo energético e, por consequência, significativas emissões de CO2.
Estará o setor preparado para associar a eficiência hídrica à eficiência energética e para atingir a neutralidade carbónica? Se olharmos apenas para os dados atuais, não. Mas o caminho já começou a ser feito.
Antecipando essa preocupação, a Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos incluiu, nos relatórios que publica anualmente, indicadores específicos sobre esta matéria, entre os muitos que monitorizam as empresas do setor. Critérios de avaliação válidos tanto para água como para águas residuais e, na minha opinião, absolutamente pertinentes. Não só porque permitem avaliar de forma clara o panorama nacional, mas porque também incentivam as empresas a considerarem a eficiência e a autossuficiência energética entre as suas prioridades.
O relatório mais recente do regulador dá-nos, então, conta desse panorama nacional. Ainda pouco animadores, os dados disponibilizados mostram que, em 2022 e nos sistemas de abastecimento de água e recolha de águas residuais (desde a captação até nossa casa e de volta até ao rio ou mar), foram consumidos 1.086 milhões de kWh de eletricidade para entregar e recolher 1.084 milhões de m3 de água (604 milhões de m3 entregues e 480 milhões de m3 recolhidos). Ou seja, por cada m3 de água entregue em nossa casa e recolhido e tratado após o seu uso, o ciclo urbano da água, no seu todo, consome 1 kWh de eletricidade.
Entendo que melhorar estes resultados deve ser feito, genericamente, em quatro fases. A primeira remete-nos para os desperdícios de água de que falava anteriormente. Se não perdermos água que custou energia a tratar e transportar, estaremos a promover duplamente a eficiência.
Depois, é necessário avaliar todos os consumos da operação de abastecimento e saneamento para perceber como minimizá-los. No fundo, também se trata de gerir perdas, mas ao nível da energia que consumimos.
Seguimos para uma fase de maior complexidade, mas que tem sido já uma aposta de alguns operadores: gerar autossuficiência. Isto é possível encontrando, ao longo da operação, possibilidades de produzir ou aproveitar energia renovável.
Falamos, a título de exemplo, da instalação de painéis solares em infraestruturas como as Estações de Tratamento de Águas Residuais (ETAR), reservatórios e estações elevatórias, ou até da produção de biogás, a partir das lamas geradas no processo de tratamento de águas residuais.
Nesta dimensão, o setor foi capaz, em 2022, de produzir 5% das suas necessidades de eletricidade evitando, por essa via, a emissão de 13 mil toneladas de CO2. Um valor ainda modesto, mas o dobro do que acontecia há uma década.
Claro que nem todas as estruturas terão capacidade para receber este tipo de tecnologia. Aí, surge a última fase: avançar com comunidades de energia que permitam partilhar a capacidade disponível em instalações com menor consumo com outras com maior consumo, mas menor disponibilidade para produção. Estaremos, portanto, a pensar a operação como um todo integrado e, claro, mais eficiente.
Se a neutralidade carbónica é um desígnio nacional e global, o setor do ciclo urbano da água não pode tardar mais a juntar-se a ele, cumprindo o seu duplo objetivo de eficiência: hídrica e energética. As duas cruzam-se, num caminho que ainda agora começou.