Ao longo da minha carreira profissional, tenho mantido uma relação próxima com os estudantes atuais, especialmente das faculdades que frequentei. Há uns tempos falava num evento com uns alunos que me perguntavam – como já é habitual – o que é que eu diria à Inês de 20 anos quando estava a tirar o curso, o que é que eu gostava que ela soubesse. A minha resposta tem sido consistentemente a mesma: dir-lhe-ia que tivesse calma e que não levasse muito a sério a escolha do primeiro emprego, que não seria assim tão importante. Teria tempo para ter muitas carreiras ao longo da vida, afinal de contas, viveremos até bem mais tarde que gerações anteriores.
Mais recentemente, e numa ótica complementar, deparei-me com o conceito de FIRE. Conhecem? E não, não estou a falar de fogo. FIRE, que advém de Financial Independence, Retire Early, é um movimento que se estabeleceu no início dos anos 90 resultante do livro Your Money or Your Life de Vicki Robin e Joe Dominguez que defende uma poupança de uma percentagem relevante do rendimento desde muito cedo para garantir uma reforça em idade jovem, sobrevivendo depois com base nos rendimentos das poupanças. Este conceito tem ganho sucesso recentemente junto da geração millennial, que está particularmente interessada numa reforma antes da idade formal (atualmente 67 anos em Portugal). O conceito base, nos Estados Unidos, assume que a pessoa estará apta a reformar-se e viver dos seus rendimentos quando acumular 1 milhão de euros em poupanças. O conceito não assume o gasto do 1 milhão poupado, mas apenas dos seus rendimentos, pelo que a pessoa deixaria ainda 1 milhão de euros aos seus descendentes. Assumindo um retorno médio de 4% sobre o 1 milhão, e retirando os 28% de impostos sobre mais valias, a pessoa ficaria com cerca de 2.400€ líquidos por mês. Há depois várias variantes do conceito, como o Lean FIRE, por exemplo, em que é ambicionado um montante menor e um estilo de vida mais minimalista. Naturalmente, os montantes para Portugal seriam bastante mais reduzidos, especialmente considerando uma vida fora das grandes cidades. De notar que este conceito não assume qualquer reforma recebida do Estado.
Na minha mente, o conceito veio cimentar um sentimento que já tinha há bastante tempo: sabia que não queria passar a minha vida a trabalhar, numa ótica de “emprego tradicional”. Mas não sabia bem como atingir esse objetivo, até porque parecia um dado adquirido por todos à minha volta que o natural é uma pessoa trabalhar até à idade da reforma.
Não me interpretem mal, eu adoro o que faço. Mas consigo imaginar tantas outras coisas que também me fariam muito feliz na vida. Até hoje, o meu caminho foi sempre pautado pelo meu esforço de fazer o meu melhor e aproveitar todas as oportunidades que me são apresentadas, acreditando que com esforço (e alguma sorte) teria sucesso no meu caminho. Agora, aos 32 anos, questiono-me cada vez mais quanto tempo quererei ficar neste caminho, quanto tempo quererei dedicar a grande maioria do meu dia ao meu emprego.
Ao consciencializar-me mais quanto ao impacto potencial das minhas poupanças e da minha estratégia do seu investimento, cada vez mais prefiro prescindir hoje de alguns gastos não essenciais para garantir uma maior liberdade num futuro não muito longínquo. E não pensemos que é necessária uma abordagem muito arriscada de investimento para garantir um crescimento agressivo das poupanças: o índice americano S&P 500 teve um retorno médio de 12% nos últimos 10 anos, 7% nos últimos 20 e 10% nos últimos 40. Tangibilizando este retorno: caso um agregado familiar poupe 100€ por mês durante 20 anos, com o retorno de 10% teria poupado 24 mil euros em contribuições, que teriam crescido para cerca de 69 mil euros no total. O montante ascenderia a 531 mil euros em 40 anos, mais de 10 vezes as contribuições de 48 mil euros.
Portanto deixo hoje a questão: quanto estão hoje a poupar para garantirem o futuro que querem?
Inês Relvas tem 32 anos e é Head of Strategy na Sonae Financial Services. Anteriormente, trabalhou cerca de oito anos na Boston Consulting Group. Tem experiência em diversas indústrias, como serviços financeiros, bens industriais e retalho em Lisboa, Madrid, Londres e Luanda. Juntou-se ao Global Shapers Lisbon Hub em 2014.