Ainda me lembro de ter visto o filme “Pai para mim, mãe para ti”, tinha eu menos de 10 anos, e estranhar que um pai podia tomar conta da filha sozinho. Na minha vida familiar, com uma mãe médica e um pai engenheiro, ambos com carreiras exigentes e ambiciosas, o papel de ir ao supermercado, de ir comprar o material escolar, de fazer o jantar, entre tantas outras tarefas, era naturalmente da minha mãe. Eu nunca o questionei, mas hoje olho para trás e vejo de facto um desequilíbrio que exigia muito mais tempo e esforço da minha mãe.

Mas a minha casa não era a única. O estudo publicado na semana passada pela Fundação Francisco Manuel dos Santos sobre as mulheres em Portugal comprova que a maternidade é especialmente exigente para as mulheres. Após terem filhos, as mulheres portuguesas precisam de dedicar duas horas adicionais por dia às tarefas familiares, enquanto que os homens aumentam menos de uma hora. O que significa que, em média, as mulheres absorvem 78% das novas tarefas familiares associadas a uma nova criança. Face a estas estatísticas, não posso deixar de pensar: o que faz os pais terem um papel menos presente na vida dos seus filhos? Será a nossa cultura? As expectativas da sociedade? O mundo do trabalho? Será por não o quererem?

Acredito que para fazer a diferença, temos de começar pelo princípio, e criar incentivos claros para tornar as licenças de parentalidade verdadeiramente partilhadas: se há tempo exclusivo da mãe, deverá haver o mesmo para o pai; se o casal partilhar de uma maneira equilibrada o período comum de licença, então garantir acesso a uma licença de maior duração (com um diferencial relevante para incentivar esse comportamento).

Em Portugal, atualmente, as mães têm 6 semanas exclusivas e obrigatórias pós-parto, sendo que os pais têm 15 dias. Os pais poderão depois tirar mais 10 dias exclusivos, facultativos. O restante período para totalizar os 120-150 dias de licença de parentalidade poderá ser partilhado entre a mãe e o pai.  Na Suécia, apenas quando criaram incentivos claros para a partilha da licença – a política do “mês do pai”, que inicialmente garantia 1 mês adicional de licença quando tanto a mãe como o pai tiravam 1 mês de licença cada, agora já com 2 meses cada e 2 meses adicionais — é que a percentagem de pais que beneficiavam da licença de paternidade aumentou verdadeiramente. Outros países que implementaram políticas semelhantes, como a Alemanha, viram um aumento de 3% para 20% na percentagem de pais que tiravam um período de licença de paternidade em apenas dois anos.

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E por que é que devemos incentivar essa partilha? Bem, muito simplesmente porque:

  • É melhor para a relação entre o pai e a criança;
  • É melhor para a relação entre o pai e a mãe da criança; e
  • É um passo essencial para a igualdade de género em casa e no local de trabalho

Todos os pais que tiraram licenças mais longas cujos exemplos conheço direta ou indiretamente são muito positivos quanto à experiência: acreditam que isso os ajudou a relacionar-se mais com seu filho/a, com a sua parceira e que o ajudou a tornar-se um pai e um parceiro melhor. Não obstante, alguns admitem que tirar tempo de licença pode ter tido um impacto negativo na sua carreira. (Claro que não posso deixar de pensar “bem-vindo à realidade das mulheres”, mas não sejamos sarcásticos.)

De facto, as novas gerações de homens declaram o seu claro interesse em ter uma presença mais forte na vida dos seus filhos, uma vontade de serem parceiros iguais no cuidado das crianças. Então, por que razão não estão os homens a tirar licenças de paternidade mais longas quando legalmente já o podem? Eu acredito que existem duas razões principais:

  1. É preciso coragem. Há muito poucos exemplos de homens mais velhos que tiraram licenças de paternidade relevantes a traçar esse caminho, e o medo de repercussões negativas no local de trabalho é real;
  2. É considerado um direito das mães. Muitos pais acreditam que é prerrogativa da mãe tirar toda a licença parental e, portanto, não se impõem na vontade de participar a licença. As mães precisam de ser as primeiras a entender a relevância e apoiar a presença do pai nos primeiros meses do/a bebé.

Com a existência de um período de licença igualmente longo por parte dos pais, a decisão (consciente ou inconsciente) de preferência de um homem versus uma mulher em idade fértil para uma posição de trabalho poderá finalmente deixar de existir, uma vez que ambos terão o mesmo direito da pausa no momento de nascimento da criança. E esse seria um passo essencial na direção da igualdade de oportunidades.

E embora eu tenha a certeza de que continuarão a existir muitas outras oportunidades de preconceito e desequilibro entre géneros, acredito que esta mudança teria verdadeiramente a capacidade de ajudar a equilibrar a equação, e que poderia ter um impacto cultural extremamente relevante, que nos permitiria a todos estabelecer famílias e locais de trabalho mais equilibrados.

Inês Relvas tem 29 anos e é Project Leader na The Boston Consulting Group. Tem experiência nas indústrias de serviços financeiros, bens industriais e retalho em Lisboa, Madrid, Londres e Luanda. Juntou-se aos Global Shapers Lisbon Hub em 2014.