Fiquei noiva há cerca de um ano. E como resultado de algumas pesquisas pelo instagram de páginas relacionadas com casamento (vestidos, fotógrafos, espaços, floristas e toda essa panóplia de serviços associados), comecei a deparar-me com anúncios para perda de peso, “perca 10 quilos num mês”, páginas de produtos para dietas mirabolantes e planos de exercício promissores. Como se não bastassem estas manobras de marketing digital, em várias visitas a lojas de vestidos de noiva ouvi que era “normal” as noivas perderem peso para o seu grande dia, para estarem “no seu melhor”. Eu só pensava que num momento da minha vida que deveria ser de extrema felicidade, num tempo de preparação para um passo tão importante na minha vida, de acordo com a sociedade, a minha aparência física, o meu corpo, deveria ser a minha maior preocupação. Quando eu deixei bastante claro que não tencionava perder peso antes do casamento, que estava satisfeita com o meu corpo, houve uma clara reação de surpresa.

Body-shaming. Em português a tradução seria algo como envergonhar uma pessoa quanto ao seu corpo. Não foi a primeira vez que senti essa pressão, com toda a certeza não será a última. Na verdade o fenómeno afeta-nos a todos, mas é especialmente sentido por raparigas e mulheres. Somos atacadas por ser demasiado gordas, demasiado magras, demasiado altas, demasiado baixas, demasiado sexy, demasiado recatadas. E a lista continua. Recebemos diariamente mensagens subliminares nas notícias, nos filmes, nas séries, nos anúncios, nas revistas, nas montras das lojas: devemos ser magras, mas não demasiado; devemos ter uma pele perfeita, sem borbulhas, olheiras, celulite e muito menos rugas – esse horror da idade; não devemos ter pêlos em praticamente lado nenhum; não devemos ter cabelos brancos; devemos ter aquele bronze dourado que todas as modelos têm (que só conseguem depois de umas horas na cadeira de maquilhagem, mas ninguém presta atenção a esses detalhes). Somos recordadas diariamente de que não somos perfeitas, de que não somos o suficiente.

Até as barbies com que brincava em criança me transmitiam pressupostos errados sobre o corpo de uma mulher: que deveríamos ter a cara sempre maquilhada, um peito desproporcionado, uma cintura quase inexistente e os pés sempre preparados para os saltos altos. Nos desenhos animados, a realidade não era diferente: as princesas e heroínas eram lindas e esbeltas, perfeitas. E eu, nem alta, nem baixa, nem gorda, nem magra, com um tom de pele aparentemente demasiado claro para o aceitável e uma série de sinais e sardas por todo o lado, não me identificava com os exemplos à minha volta.

Quando cheguei à adolescência tudo se tornou ainda mais difícil. Víamos filmes como o “Giras e Terríveis – Mean Girls”, que deixavam bem claro que para se ser popular teria de se ser bonita e magra. A pressão era constante, para ter a imagem certa, o corpo certo, a roupa certa. Na minha escola, onde existiam 4 turmas de secundário, cada uma com 30 alunos., tivemos 3 casos de distúrbios alimentares graves (como a anorexia e bulimia) apenas no meu ano, todas raparigas.

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Avancemos 15 anos no tempo. A obsessão com o corpo e a perfeição só foi intensificada nesta era dos social media. Aliás, em 2017 foi publicado um estudo que demonstrava que o Instagram é a rede social com impacto mais negativo na saúde mental dos jovens, especialmente devido a problemáticas associadas com a própria imagem corporal.

Continuamos a associar fazer exercício com a visão de “este ano é que vou ter o corpo de sonho”, a “preparação do corpo de verão”, ou a correção de alguma zona que nos deixa menos satisfeitos; quando na verdade deveríamos associar exercício regular à nossa boa saúde física e mental, para a redução do stress e da ansiedade. E os ginásios são muitas vezes os piores lugares para enfrentar a vergonha e o julgamento alheio: por não se ter o corpo perfeito, por não se correr rápido o suficiente, por levantar pesos que até uma criança conseguiria; por se não ter a roupa perfeita para exibir os abdominais invejáveis. Foram várias as vezes em que tentei convencer-me a frequentar um ginásio regularmente, mas senti-me sempre como um peixe fora de água, senti que o ambiente de pressão não compactuava com o que eu procurava na prática de exercício físico. Serei a única?

Quando recentemente a Nike esteve nas notícias por ter decidido introduzir manequins plus-size na sua loja em Londres, surgiram algumas reações negativas que apontavam para a Nike estar a “incentivar a obesidade”, e que uma mulher “daquele tamanho” nunca teria capacidade de fazer exercício. E lá estão os corpos imperfeitos a serem “presos por ter cão e por não ter”. Se uma mulher é obesa, não pode fazer exercício que é um horror de se ver. Sem fazer exercício, a obesidade será muito mais difícil de combater. Posso dizer-vos que há um mês estive em Londres e por curiosidade fui à loja da Nike. Introduziram manequins com vários corpos diferentes, vários níveis de musculação diferentes, tanto para homens como para mulheres. No entanto, toda a discussão foi quanto à manequim feminina plus size. Expectável.

Acredito que esta cultura tóxica tem de acabar. Acredito que todos temos de lutar ativamente contra o body-shaming. Que precisamos de diversidade nos exemplos que nos rodeiam. Que todos precisamos de uma relação mais saudável com os nossos corpos e com a nossa imagem. Que temos de nos sentir confortáveis em ir ao ginásio e em praticar exercício físico, seja no nível ou forma que for. E a mudança tem de partir de nós.

Inês Relvas tem 29 anos e é Project Leader na The Boston Consulting Group. Tem experiência nas indústrias de serviços financeiros, bens industriais e retalho em Lisboa, Madrid, Londres e Luanda. Juntou-se aos Global Shapers Lisbon Hub em 2014.