Há muita confusão na discussão sobre o que fazer aos embriões congelados. Que são muitos, aos milhares. Um já seria demasiado, mas são muitos mais, milhões no mundo inteiro. Segundo uns dados que consultei na internet, no ano passado estimavam-se em 19.000 embriões congelados apenas em Portugal.
E agora? Que fazer com esses embriões humanos? É um problema sem solução ética.
Porque a questão determinante não está no destino a dar a esses embriões. O problema está na origem, no congelamento dos embriões, na falta de respeito pela dignidade da pessoa humana desde a concepção, na confusão terminológica, nos enormes interesses financeiros que giram à volta do negócio da fertilidade. Senão, como é possível que o mesmo partido político que defende o alargamento dos prazos do aborto livre para as 14 semanas, só porque sim, sem que exista qualquer motivo médico, seja o mesmo que se opõe à destruição de embriões congelados e propõe o alargamento de prazos de utilização de gâmetas e embriões doados. Defendem os embriões por caridade desinteressada ou haverá algum interesse escondido. Qual é a lógica? Esquizofrenia, utilitarismo e ausência do mínimo respeito pela vida humana. Já agora, porque falar em semanas de gestação pode ser confuso para a maioria dos leitores, importa lembrar que um embrião de 14 semanas já tem forma humana, os batimentos cardíacos podem ser vistos a partir da sexta semana, tem olhos e ouvidos e até movimentos respiratórios.
Os embriões devem ser tratados com a dignidade própria de pessoas humanas. Quando os embriões não implantados são destruídos, pode dizer-se que a seleção embrionária se equipara a um aborto seletivo, porque se está a eliminar, de forma direta e voluntária, um ser humano inocente.
Quais as razões desta seleção embrionária? Porque não são todos implantados? As razões são diferentes: para evitar gravidezes múltiplas; por existência de malformações ou doenças hereditárias; outros são congelados com vista a possíveis intervenções reprodutivas futuras, etc. Todos estes procedimentos implicados na seleção embrionária resultam, no fundo, duma mentalidade discriminatória: alguns embriões são dignos de viver, devido às suas qualidades genéticas, enquanto outros são descartados, ou congelados, ou destinados a “fins terapêuticos”, ou servem para experimentação em laboratório.
E porque se produzem tantos embriões “excedentários”? Porque para evitar proceder a diversos ciclos de hiperestimulação ovárica, com vista à obtenção de óvulos, os cientistas procedem à fecundação de múltiplos óvulos e ao posterior congelamento dos mesmos. Estes embriões congelados têm várias utilizações: se o primeiro embrião transferido não evoluir, pode fazer-se uma nova transferência; ou podem ser usados, se os pais quiserem ter mais filhos (e se não quiserem? E se, entretanto, se divorciarem?). O resultado são milhões de vidas humanas congeladas, filhos “em suspenso”, mantidos em estado e em condições incompatíveis com o respeito que a vida humana mereceria. Os embriões não utilizados encontram-se numa situação de autêntica orfandade, porque os pais não os reclamam; em muitas ocasiões, é o hospital que passados alguns anos pergunta aos pais o que pretendem fazer: manter o congelamento por tempo indeterminado, doar os embriões a outro casal para adopção, serem transferidos para a mãe ou doá-los para investigação científica.
E como se avaliam eticamente estas possibilidades? A utilização para investigação ou para fins terapêuticos é inaceitável porque consiste em tratá-los como simples material biológico e implica a sua destruição. Descongelar os embriões e, não os reativando, utilizá-los para investigação como simples cadáveres é igualmente inadmissível. A adopção pré-natal ou colocá-los à disposição de casais inférteis, como terapia de infertilidade, tem igualmente imensos problemas éticos, além de outros problemas de ordem jurídica, médica e psicológica. Em resumo, é preciso a coragem para concluir que os milhões de embriões congelados em situação de abandono são alvo de uma injustiça que, na prática, é irreparável.
Como disse a Congregação para a Doutrina da Fé, na sua Declaração Dignitas personae: “A crioconservação é incompatível com o respeito devido aos embriões humanos e pressupõe a sua produção in vitro; expõe-nos a graves riscos de morte ou de dano para a sua integridade física, enquanto uma alta percentagem não sobrevive às práticas de congelamento e de descongelamento; priva-os, ao menos temporariamente, do acolhimento e da gestação materna; põe-nos numa situação susceptível de ulteriores ofensas e manipulações”.
Era importante parar e refletir. Nem tudo o que é tecnicamente possível é eticamente aceitável. Embora seja evidente que a destruição de embriões é um mal, penso que a discussão que se está a ter, bem como um artigo recentemente publicado (“A moral da Igreja não permite a destruição de embriões”), não identificam o fulcro do problema.
O que, efetivamente, constitui um problema gravemente imoral é o congelamento de embriões, que em si mesmo é um problema sem solução. Por conseguinte, era importante a coragem de suspender e reconhecer que por aqui se caminha para um abismo. Recordo que, já há alguns anos, João Paulo II lançou um «apelo à consciência dos responsáveis do mundo científico e, de modo especial, aos médicos, para que se trave a produção de embriões humanos, tendo presente que não se descortina uma saída moralmente lícita para o destino humano dos milhares e milhares de embriões “congelados”, que são e permanecem titulares dos direitos essenciais e que, portanto, devem ser tutelados juridicamente como pessoas humanas» (Discurso aos participantes no Simpósio sobre “Evangelium vitae e direito”). Infelizmente, este apelo tem sido ignorado.
Recordo-me bem duma conversa que tive há uns tempos com o Professor Pereira Coelho, pai do primeiro bebé proveta, que me confidenciava, com pena e arrependimento, que se soubesse ao que iam levar as técnicas de fecundação artificial in vitro jamais teria enveredado por esta área da medicina.
A igreja é a favor da vida e do ser humano, principalmente dos mais débeis. É sua vocação defender e promover a vida. Mas este seu dever é igualmente o de qualquer homem de boa vontade. Alguém gostava de ser congelado?