Tinha dezanove anos e um carro. Um campeão de rallies, um conquistador de quilómetros, um MINI 1000. Com vinte anos. Com a confiança da juventude, convenci a minha mãe a deixar-se trazer de Faro para Lisboa, no regresso das férias, apesar das advertências mecânico-alarmistas da minha irmã. Nem sempre Deus protege os audazes… A chuva incessante isolou-nos no Alentejo. Empurradas até à oficina, aguardámos que terminasse o desafio de futebol a que o mecânico assistia na televisão do café. Foi assim que conheci a Amareleja: ninguém na rua, um Domingo de chuva, um café aberto, uma oficina fechada à espera de golos. E eu ali, com a traição do meu carro.

A confiança é um sentimento poderoso que se constrói na relação, desde cedo, a partir da consistência do comportamento. Eu punha gasolina, água no radiador e óleo no motor, ele andava quilómetros sem se queixar. Eu acelerava, ele respondia. Um dia acelerei e ele não respondeu. Não fez mal. Comprei-lhe uma tampa para proteger o motor da chuva e uma manta para as noites frias. Eu aconchegava, ele respondia. Confiança restabelecida.

O mesmo não aconteceu com outras relações. Quando o comportamento deixa de ser consistente, a confiança quebra-se e a reparação é difícil. Aconteceu com o Banco Espírito Santo, com o ex-Primeiro Ministro José Sócrates, com a TAP, com o Novo Banco, com os acórdãos do Juiz Neto de Moura, e outras incontáveis vezes. Sucessivas e recorrentes perdas arruínam a confiança política. Todavia, a credibilidade das instituições é a base do saudável funcionamento democrático.

As instituições não são paredes, são pessoas. E as pessoas são os seus comportamentos com as suas consequências. A dissociação entre acto e consequência resulta na ausência de responsabilização. E a questão que se coloca é se não haverá por aí uma ideia apriorística de impunidade que permite malabarismos irrealistas como, “o dinheiro estava num cofre da minha mãe”. Ou pior. Um aumento de 40% na factura de electricidade em dez anos, quando, no entanto, e em simultâneo, temos das mais baixas tarifas da Europa, e o preço do petróleo em quebra. Isto significa que pagamos uma elevada percentagem de taxas para suportar acordos opacos entre o Estado e as promotoras energéticas – como a EDP. Assim se estrangulam empresas e famílias.

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Em 2005, o governo de José Sócrates, fez a “aposta nas renováveis” a pretexto do custo do choque petrolífero e de uma energia mais verde — todos queremos um mundo mais verde. Confiámos. Porém as renováveis são energias intermitentes. Ups. O vento pára. Não há sol. Isso exige um back up feito, hoje, de gás natural e carvão. Assim, se não houver vento nem sol, não ficaremos no escuro. Os investidores para este projecto de energias renováveis foram atraídos através de acordos que garantiam o retorno do investimento — as feed in tariffs (FIT). Por cada unidade de energia renovável introduzida na rede, o Estado pagaria um valor garantido. Com esta estratégia, o Estado promoveria a introdução progressiva de energia renovável na rede. Era um bom princípio – premiar a mudança de hábitos que conduzem a uma diminuição da emissão de CO2. Era. Confiámos. Mas os valores das FIT atingiram níveis estratosféricos. E com outro pormenor, a energia que não entra na rede, que não é utilizada, também é paga. O acordo não defendeu os interesses dos portugueses, protegeu os interesses das promotoras. Traição.

Está agora anunciado um mundo verde alimentado a hidrogénio de Sines. Um projecto piloto. Por sete mil milhões de euros. Piloto?! Que projecto piloto atinge este valor? A EDP, a Galp e a Ren, já manifestaram interesse na participação. Os custos serão divididos entre investidores privados e públicos, sendo os públicos de fundos europeus. Quais? E quanto nos caberá em taxas nas facturas que virão?

Porque, ao contrário de quem não sofre as consequências das suas decisões, aos contribuintes portugueses cabe a responsabilidade do pagamento de todos os acordos, da dívida e do endividamento: a cada acção corresponde uma reacção oposta e de igual intensidade. Sete mil milhões gastos, serão sete mil milhões pagos. Por nós. A cada traição institucional corresponde uma igual descredibilização. A Terceira Lei de Newton é inescapável.