O IRS não tributa todas as fontes de rendimento da mesma maneira. A tributação autonomizada permite, por opção do sujeito passivo, que algumas fontes de rendimento não sejam consideradas para efeitos de determinação das taxas progressivas por escalões, acabando por sofrer tributação a uma taxa mais reduzida. É aqui que entra o englobamento obrigatório: uma alteração legislativa que imponha a agregação de todas as fontes de rendimento.

A proposta do englobamento obrigatório é assim alimentada por uma ideia de igualdade – semelhança do tratamento fiscal das diferentes fontes de rendimento – e por uma noção de privilégio – são os agregados com rendimentos mais altos que auferem o tipo de rendimentos que poderão acabar tributados a uma taxa mais baixa (por exemplo os juros, dividendos, rendimentos prediais e as mais-valias de ações ou obrigações).

Acontece que em alguns casos o privilégio é meramente aparente. Por outro lado, a desigualdade da tributação das diferentes fontes de rendimento encontra a sua coerência e lógica no sistema fiscal vigente, nomeadamente por se tratar da tributação de rendimentos da poupança, originada em rendimentos que terão já sido objeto de tributação.

Eis alguns exemplos desta coerência ou de ausência de privilégio.

Relativamente aos dividendos, é importante considerar que os lucros distribuídos pelas sociedades são líquidos do IRC pago a montante. A atenuação desta dupla tributação (IRC primeiro, IRS depois) é um mecanismo presente nos sistemas fiscais modernos, que no caso do nosso país permite a tributação em IRS dos dividendos englobados por metade do seu valor. Ora, com a taxa do escalão mais alto fixada em 53%, o englobamento dos dividendos, por metade do seu valor, não resultaria necessariamente na aplicação de uma taxa superior aos 28% a que estão atualmente sujeitos a tributação fora do englobamento.

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A partir do momento que os dividendos englobados são tributados por metade do seu valor, seria pouco justificável que os juros fossem englobados integralmente e sofressem uma tributação mais agravada, dado que tal criaria uma distorção fiscal nas aplicações da poupança e consequentemente na estrutura de financiamento das empresas (privilegiando os dividendos/ações em detrimento dos juros/obrigações).

Por outro lado, o regime de tributação das mais-valias mobiliárias (e.g. venda de ações ou obrigações) não pode afastar-se do regime de tributação dos rendimentos associados a estes títulos (dividendos e juros), sob pena de as decisões dos investidores (manter ou alienar títulos) passarem a ser governadas por considerações fiscais, ao invés das diferentes variáveis dos mercados, com as ineficiências daí decorrentes.

Passando para os ativos imobiliários como destino das aplicações de poupança. Atualmente as mais-valias resultantes da alienação de imóveis são tributadas em 50% do seu valor. Ora, tornar obrigatório o englobamento dos rendimentos prediais, determinando a sua tributação a uma taxa superior, criaria um estímulo à exploração sob a forma transacional, em detrimento do arrendamento. Por outro lado, reverteria as recentes políticas de estímulo ao arrendamento habitacional de longa duração, cujos rendimentos são atualmente tributados fora do englobamento a taxas reduzidas.

Uma última palavra para a proposta do Governo de tributar as mais-valias mobiliárias ditas especulativas, cuja aprovação deverá ser precedida de relevantes contributos de melhoria na fase de discussão na especialidade. Em primeiro lugar, porque a mesma não tomou em consideração a existência de lei especial que regula os rendimentos de unidades de participação em fundos de investimento. Em segundo lugar, porque a sua formulação permite a situação absurda em que um indivíduo que aufira rendimentos superiores pode acabar com um rendimento líquido inferior, quando comparado com outro individuo, dado o excesso de progressividade.

A discussão das alternativas de concretização da medida do englobamento obrigatório é a crónica de uma morte anunciada. Muito provavelmente esta medida acabará por não aparecer no documento final, nem mesmo a proposta minimalista do Governo de englobar apenas as mais-valias mobiliárias. E as razões que anunciam a morte precoce desta medida não são de ordem orçamental, nem sequer provavelmente a falta de vontade política. São a prevalência do sistema fiscal vigente e da sua coerência.