O setor imobiliário foi um dos motores da recente recuperação económica e financeira da economia portuguesa, no rescaldo do plano de ajustamento económico e financeiro (“Plano da Troika”). Entre outros aspetos, o investimento internacional neste setor permitiu a introdução da liquidez necessária à viabilização de soluções de financiamento a empresas dos mais variados setores de atividade, bem como a implementação de operações de reestruturação financeira, que, igualmente, contribuíram para a recuperação da robustez do setor bancário.

Também ao nível do processo de consolidação das finanças públicas, o contributo do setor imobiliário foi proeminente. Com efeito, os dados da receita fiscal, desde 2013, revelam que o setor imobiliário contribuiu mais do que a sua “justa parte” neste esforço coletivo, pois a taxa de crescimento da receita dos impostos sobre o património é aquela que mais se distancia (positivamente) da taxa de crescimento do PIB para o mesmo período. E esta eficácia na arrecadação da receita fiscal é justificada não só pelo aumento da atividade e do volume de transações imobiliárias, mas também porque neste setor e período foi criado um novo imposto, o “Adicional ao IMI”.

É certo que este desempenho e movimento do setor imobiliário criou outro tipo de dificuldades, como o acesso à habitação a preços acessíveis nas grandes cidades, em que o desequilíbrio entre a oferta e a procura urge resolver em complementaridade. Por outro lado, a pandemia veio igualmente arrefecer este processo, levantando a um conjunto de incertezas sobre os pressupostos de valor que existiam anteriormente.

À entrada para a preparação e discussão do Orçamento do Estado, a expetativa centrava-se sobre que tipo de medidas poderiam ser implementadas para recuperar a dinâmica do mercado, para restaurar a confiança dos investidores, ou para melhorar as condições de acesso à habitação.

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Foi, por isso, com enorme surpresa que se verificou a inclusão da proposta de tributar em sede de IMT (Imposto Municipal sobre Imóveis) a aquisição de 75%, ou mais, das partes de capital em sociedades anónimas, cujo ativo seja maioritariamente valorizado por efeito da detenção de imóveis não diretamente afetos a certos tipos de atividade empresarial.

Apesar de um regime semelhante existir para outro tipo de sociedades, mais simples, como as sociedades por quotas, não se identifica uma vantagem ou benefício com grandeza que justifique a sua implementação às sociedades anónimas, sem mais. Com efeito, um eventual aproveitamento abusivo do regime existente deve ser atacado através da aplicação sofisticada de normas anti-abuso, que já existem, e não pela eliminação de um enquadramento fiscal consolidado há décadas e que é sistémico de um mercado de capitais eficiente.

Perspetivar esta alteração legislativa como um simples aperfeiçoamento de justiça é não exigir sofisticação à função reguladora do Estado, e ignorar que o setor imobiliário é um pilar estruturante do mercado de capitais, a partir da qual se sustentam as decisões financeiras de famílias e investidores, essenciais ao financiamento da economia como um todo.

E não se espere que esta medida contribua para o aumento significativo da receita fiscal, porque serão certamente maiores os seus efeitos inibidores gerais do que os impostos que a mesma permite arrecadar diretamente.

O setor imobiliário deu evidentes provas da sua resiliência e capacidade de recuperação. Na discussão das medidas fiscais do Orçamento do Estado para 2021, se não for para restaurar a confiança dos investidores ou para melhorar as condições de acesso à habitação, o melhor mesmo é “por favor não mexer”.