A Europa está entalada entre dois terrorismos. Está entre dois fogos, que parecem de sinal contrário mas que se excitam um ao outro. Ciclicamente, na história do Ocidente, esses ataques marcam tempos de crise sociocultural e política.
Que ataques são esses? Há um terrorismo que vem de fora e actualmente aparece sob a bandeira do “Estado Islâmico”. Surge como força ideológica (“religiosa”) violenta pretendendo dominar (e eliminar) uma europa que acusa de estar doente, vendida à democracia, sem valores, opressora e imoral, tradicionalmente seguidora de uma cultura religiosa adulterada, a cristã. O Ocidente é um mundo de infiéis – mas ricos! – que os puros, os verdadeiros islâmicos, não podem suportar, em nome da sua crença num islão original (radical e primitivo). Ameaças, ataques suicidas, destruição à bomba (até de outros muçulmanos que assim não pensem), são meios justificados pela sua “nobre” causa. A história ensina que um fanatismo cego, radical, fechado a qualquer diálogo, orgulhoso e ressentido, tem os dias contados; mas, entretanto vai seguindo, embriagado e iludido pelo sangue que vai deixando pelo caminho. Por outro lado, paradoxalmente, enquanto os próprios islâmicos críticos e lúcidos não forem capazes de se afirmar, este terrorismo vai vivendo, também, à custa do próprio Ocidente que, nas suas cegueiras economicistas, não desiste de lhes comprar o petróleo e, depois, lhes vender as armas.
Há um outro terrorismo que vem de dentro. É também uma doença social e cultural apoiada em políticas ditas “libertadoras”, que se assumem como radicais e modernas mas resvalam orgulhosamente para um fanatismo cego, pronto, por todos os meios, a erradicar aquilo que pensam ser o grande mal do ocidente: a sua matriz cristã e a cultura e valores éticos personalistas, que vêem como inimigos de um admirável futuro: o das liberdades individuais sem restrição. O atraso e o inimigo a abater está consubstanciado na Igreja católica. A bandeira deste terrorismo não é a laicidade; é o laicismo anticlerical. E o seu paradigma de felicidade é uma justiça burguesa, consumista, ao sabor de um liberalismo “emotivista”, endeusando o indivíduo, que já não é homem e mulher, mas um género à escolha. Aliás, apresenta-se como sendo uma ideologia de esquerda, quando, dos ideais sociais da Esquerda, quase nada tem.
Este terrorismo também mata e é guerrilheiro, sobretudo quando conquista algum poder. Assim foi acontecendo nos vários países europeus, submetidos ao terror nas épocas em que esses movimentos chegaram ao poder. É uma realidade actual na Europa. Em Portugal também. E não precisamos de ir mais longe para aprender e apreender o que representam esses fanatismos, bastando trazer à memória Joaquim António de Aguiar (o Mata Frades), presidente do Conselho de Ministros, com a sua Lei de extinção das ordens religiosas em 1834; e, numa segunda onda, com a revolução republicana de 1910, onde a carbonária, apoiada na franco-maçonaria, levou ao poder Afonso Costa (o grande paladino da luta anticlerical), que prometia erradicar o catolicismo de Portugal em duas gerações.
Hoje a situação é bastante semelhante no seguidismo do laicismo francês. Não afirma a nossa “esquerda burguesa” que é preciso “descristianizar” a nossa cultura e erradicar das consciências “a culpa católica”? Em nome da liberdade e do progresso, claro! A história ensina o suficiente: em nome da “Liberté” os génios da Revolução Francesa chegaram até ao genocídio de Vendeia, por exemplo, a pequena região católica que se lhes opunha. “Gloriosamente” assassinaram algumas centenas de milhares de pessoas: “Vendeia morreu sob os sabres da nossa liberdade!”. Foi em 1793. Mas de novo, em 1902, o governo de Émile Combes, apoiando os ideais radicais do Bloco das Esquerdas (onde terão ido os nossos bloquistas buscar o nome?) e com o auxílio da Loja maçónica do Grande Oriente de França, lança a grande ofensiva anti-católica: fecha 3.000 escolas, rompe as relações com Roma, expulsa os católicos dos cargos públicos, confisca os bens das ordens religiosas. Numa palavra, promove o Terror fraturante de tudo o que lhe parecesse cultura do passado e, “evidentemente” católica.
O laicismo francês, tal como o belga e o holandês, está de novo em alta e aparece como novo paradigma da modernidade a imitar. Começa por atacar nas questões éticas a fim de eliminar tudo o que possa ser resquício da moral cristã que “se opõe ao futuro” e que, em nome da “liberdade” e da “igualdade”, o individualismo e o pragmatismo tecnocrático não suportam. Primeiro é preciso erradicar os sinais sagrados, quer seja a cruz na sala de aula, quer seja aquela que se traz ao peito. Depois, vem a fúria da legalização das mais variadas fantasias sobre a vida humana desde a eutanásia às barrigas de aluguer. E apoiando-se em ideologias sem base na realidade e ignorando (e rejeitando) qualquer antropologia, pretende-se construir a sociedade moderna, livre e sem limites. O caso mais típico é o da chamada “ideologia de género” que haverá de impor, desde o início da escola, com actos e textos de verdadeiro terrorismo. Essa luta assumida como libertária, contra a cultura e a religião, serve-se de todos os meios, em especial das redes sociais e da publicidade, usando, sobretudo contra a religião, a humilhação e o sarcasmo, sob a bandeira do dogma Liberdade de expressão sem limites, tal como o fazia, exemplarmente, a Revista Charlie Hebdo.
Nem sempre nos damos logo conta de que o fracturante é facturante!
Por cá vai-se tentando seguir a cartilha. Faz impressão ver que o movimento ideológico do Bloco de Esquerda, nem se deu ao trabalho de branquear o nome. Assim é mais claro em que águas se move. Não é fácil encontrar nas suas figuras e pensamento os ideais sociais da esquerda. Mas a pressa em se lançar no terrorismo laicista é bem visível. Salta à vista a fúria de legalizar (sem escuta dos outros, com publicidade de mau gosto e fracturando culturalmente o povo) todas as liberdades, não como escolhas de bens respeitadores da consciência ética personalizante desse povo, mas como exaltação do orgulho individualista que se arroga o direito de fazer à vida o que lhe parecer e o que for mais rápido e eficaz, mesmo passando por cima do sereno debate sobre os valores humanos, considerados “pobres dogmas da consciência antiquada e clerical”. Assim se tenta impor (a votos de maiorias instaladas e sem discussão ponderada e generalizada) as barrigas de aluguer, a eutanásia, a igualdade dos pares homossexuais ao casal homem-mulher, etc.
Esta esquerda doente, que não tem os pés na terra nem a atenção nos mais frágeis, ergue a bandeira de um modernismo burguês, pseudo-intelectual, mas de cultura rápida e sem história nem dialética, afirmando-se como luz (ingénua) portadora de um mundo novo. Apresenta-se com algum fascínio nos vários países europeus cansados e tristemente desgastados pela corrupção, como uma alternativa pós moderna. Mas… sem base nem pensamento credível, arrebanha os desiludidos da vida. É o fogo-fátuo do “Podemos” espanhol, por exemplo, que ostenta nos seus programas acabar com tudo o que sejam manifestações religiosas. Em nome da “liberdade”, da “autonomia” e da “dignidade”, termos que entendem de modo infantil, dogmático e subjectivo. E assim oferecem o seu paraíso, o seu século das luzes: descartando tudo o que é velho, doente, deficiente, não rentável, tudo o que exige gastos “inúteis”, tudo o que, além disso, pode vir a pedir-nos responsabilidades.
Não deveria esta pequena burguesia olhar para a história, desenvolver algum pensamento crítico e tornar-se realmente “de esquerda”? “De esquerda” no sentido de: ocupada com o bem comum, com a justiça social e fraterna, integradora dos que estão nas margens da sociedade de consumo, promotora de uma educação realista, mais atenta aos frutos de humanização que aos resultados de cursos feitos à pressa, capaz de dar tempo a uma reflexão antropológica… Capaz de abrir os olhos para a realidade e para a história das culturas que mostram bem como só o amor (respeito pela verdade) é fonte de futuro, enquanto as ideologias (como a de género) são suicidas!
A mentira existencial em que estes radicalismos encalharam só se aguenta com a violência. E a violência, arma dos fracos e de quem não tem argumentos, instala-se à sombra do terrorismo. Estarão à espera que se lhes responda com uma violência igual que possa desculpar. Mas, como disse Gandhi: “com a lei do olho por olho ficamos todos cegos”. E a história já mostrou, repetidamente, que o ataque à verdade não compensa, pois acaba por a fazer vir ao de cima; e mais: a Igreja saiu sempre renovada e fortalecida de todas as perseguições.