Estas são algumas observações que pretendem corrigir a forma como os media têm reportado as estatísticas sobre a epidemia do coronavírus. A União Europeia apresenta uma grande disparidade no impacto da pandemia, tanto em termos de infetados como em termos de número de mortes, quando medidos em relação à população, com variações superiores a 1 para 50 e 1 para 1 000, respetivamente. Enquanto que a Itália foi o primeiro país em que a epidemia explodiu, tendo ultrapassado os 2 mortos por 10 milhões de habitantes já nos finais de fevereiro, 14 países ultrapassaram aquela barreira entre 10 e 19 de março, incluindo Portugal. Os últimos 3 países a ultrapassar aquele limiar forma a Letónia, Malta e Eslováquia, entre 4 e 9 de abril.
Portugal tem um número de infetados per capita superior à média da UE, mas um número de mortes inferior. Porém, quando comparado com todos os países da União a sua posição não mostra, até agora, nenhuma situação excecional, como alguns comentadores referem. É o 6o país com maior número de infetados per capita, e o 10o em termos de mortes per capita.
1 Número de infetados
As televisões e jornais debitam, todos os dias, dezenas de estatísticas sobre a epidemia, sem fazer qualquer qualquer análise crítica, nem nos darem uma noção da dimensão do fenómeno. Comecemos pelo número de pessoas infetadas. Em primeiro lugar, dizer que os EUA têm centenas de milhar e que Portugal tem apenas dezenas de milhar, pouco nos diz, mas impressiona a mente: que os EUA estão muito piores que nós. Esta visão só se corrige, quando fazendo comparações internacionais, se nos referirmos a um valor per capita.
Quadro 1
O Quadro 1 mostra o número de infetados por 100 mil habitantes para o dia 11.4.2020 e as nossas projeções para 23.4.2020. Como vemos, atualmente a Espanha tem mais do dobro de Portugal. Dentro da amostra superior, O Reino Unido é quem tem menor número de infetados, seguido da Holanda e Alemanha. A Itália, tem 74% do número de Espanha. No grupo de países inferior, são particularmente baixos os números da Rep Checa, Eslováquia e a Grécia.
Projeções para 23.4 mostram que a Espanha se vai aproximar dos 400, record de todos os países da EU. Os EUA aproximar-se-ão do número da França. Portugal com um valor próximo dos 200, bastante acima da Alemanha e Holanda, e um pouco abaixo da França. Mas não deixa de ser um valor muito mais elevado que o dos países do Leste da Europa e Áustria.
Sabemos que esta dimensão tem a ver com o número de testes efetuados, pois experiências feitas em diversas comunidades mostram que existe um elevado número de assintomáticos.
O Gráfico 1 reporta o número de infetados por 10 mil habitantes para os 28 países da União Europeia (e Reino Unido) para o dia 13 de abril de 2020.
Gráfico 1
Portugal tem um número de infetados acima da média da União Europeia, e é o 6o país com mais infetados, com 161 infetados por 100 mil habitantes. Os países com menos número de infetados – abaixo dos 20, são a Bulgária, Eslováquia, Hungria, Polónia e Grécia.
2 Curvas de infetados por 100 mil habitantes estandardizadas (origem do gráfico: quando o país atinge 2)
Em segundo lugar, o processo epidemiológico depende de quando se inicia, pelo que só se devem comparar os números de infetados, em relação a uma mesma origem, que no gráfico 2, é de 2 infetados por 100 mil habitantes. Este gráfico mostra, por exemplo, que Portugal está com um atraso de cerca de 1 semana em relação a Espanha (linhas verticais referem-se a 11.4, e cerca de duas semanas em relação a Itália. A evolução da curva para Portugal está um pouco abaixo da Itália, e acompanhar a França. A projeção acima, está, pois, sujeita a elevada incerteza, dependendo de um conjunto de variáveis que não são aqui tratadas.
Gráfico 2
A curva de Espanha destaca-se claramente das restantes. Se calcularmos as taxas de crescimento dos casos ocorridos diariamente (curva de densidade) – que correspondem a segundas derivadas da curva de evolução dos casos totais, ou função distribuição, verificamos que estas foram muito mais elevadas que as dos restantes países logo no início do processo epidemiológico, e que a restante evolução já foi mais normal. O número de França está influenciado pelo enorme valor do dia 7.4 quando incluíram os lares (antes só se contavam os testados em hospitais). O que ocorreu no início em Espanha? Sabemos que houve uma “bomba epidemolóliga” devido à manifestação da coligação do Partido Socialista-Podemos, e que milhares de espanhóis estiveram em Milão no jogo com o Atalanta. Outro fator foi o atraso nos testes, além de algum atraso nas medidas de distanciamento social. Assunto a investigar.
Quadro 2
3 Número de mortes por 10 milhões de habitantes
A Espanha lidera o número de mortos por habitante, seguida de perto pela Itália (Quadro 3). As taxas de mortalidade são de 10,1 e 12,79%, respetivamente, o que mostra que a Itália tinha a 11.4 uma taxa de mortalidade superior (Quadro 4). Do grupo de países superior no quadro 3, a Alemanha tinha o número de mortos mais baixo, tendo Portugal uma taxa 36% superior a este país. Projeções para 23.4 mostram as mesmas posições relativas, com Portugal tendo uma taxa 45% superior à Alemanha.
O número de mortos para Portugal tem sido questionado por autarcas e por um grupo de médicos da Escola de Saúde da Faculdade de Medicina do Porto, com base numa estimativa do aumento de 600 mortos, em relação ao mês homólogo de 2019 (o COVID-19 só explica 160).
De qualquer maneira, se expandirmos o número de países, com o grupo inferior, até 11.4, vários países do Leste da Europa tinham um número de mortos bastante inferior ao da Alemanha e de Portugal.
A taxa de mortalidade em Portugal é bastante inferior à da Espanha e da Itália, com 2,94%, contra 2,24% da Alemanha. A taxa da China era de 4,07%.
Quadro 3
Quadro 4
Voltamos a enfatizar que o critério de classificação de mortes não é consistente na comparação entre países, nem ao longo do tempo. Por exemplo, a França não incluía os mortos em lares, e passou a incluir a partir de 11 de abril. O Reino Unido só conta os mortos em hospitais.
O Gráfico 3 dá-nos o número de mortes por 10 milhões de habitantes para os 28 países da União Europeia. Portugal tem um número de mortes abaixo da média da UE. Os países com maior número de mortes são a Espanha, Itália e Bélgica. E os que têm menos de 60 mortes são: Eslováquia, Letónia, Bulgária, Croácia, Malta e Polónia.
Gráfico 3
4 Curvas de mortes por 10 milhões de habitantes
O Gráfico 4 apresenta a evolução das curvas de mortos pela população, tendo como origem o dia em que o número de mortes por 10 milhões de habitantes ultrapassou 1. Como se pode ver, a Espanha é o país com a curva mais elevada, tendo-se destacado das restantes logo a partir do quinquésimo dia do início do processo epidemiológico.
Gráfico 4
A evolução da curva para Portugal mostra que esta a 11.4 (ponto 20 no eixo horizontal) está a evoluir abaixo do Reino Unido e Holanda, e acima da Alemanha e França, mas espera-se uma evolução paralela à Alemanha, com a posição relativa acima indicada.
5 Os grandes grupos geográficos
Não faz sentido comparar os EUA com um país europeu, mas sim com a União Europeia. O Quadro 5 mostra as estatísticas demográficas e epidemiológicas para o que tradicionalmente se consideram algumas das grandes regiões geográficas. Considerando a situação a 13.4 verificamos uma enorme disparidade entre os países da Ásia, que têm apenas uma fração dos números de infetados ou de mortos por referência à população. A curva epidemiológica dos EUA está significativamente atrasada em relação à União Europeia, estando a função logística desta última a aproximar-se do plateau na segunda metade de abril, enquanto que a primeira só deverá atingir aquela situação em maio.
Quadro 5
Enquanto que atualmente o número de infetados por 10 mil habitantes nos EUA é já́ superior à UE, o número de mortos por 10 milhões de habitantes é menos de metade. A projeção das curvas para o plateau indica que os EUA deverão ter um número absoluto de infetados próximo da UE, o que significa um número de infetados por 10 mil de 230, ou seja, o dobro da UE, embora se espere um número de mortos por 10 milhões de habitantes de cerca de 75% do da União Europeia.
6 As estatísticas de alguns países asiáticos
O Quadro 6 reporta estatísticas demográficas e epidemiológicas para alguns países asiáticos, e mostra, como acima se referiu uma situação incomparavelmente melhor. Repare-se que as curvas epidemiológicas destes países começaram bastante mais cedo do que na Europa. Deste grupo de países só a Coreia teve um número de infetados na casa das dezenas por 10 mil habitantes, e só a Coreia e China têm um número de mortes por 10 milhões de habitantes na casa das dezenas. Mesmo que as estatísticas da China estejam subavaliadas, como estudos da Universidade de Hong Kong parecem indicar, um múltiplo de 3 ou 4 continuaria a colocar a China muito abaixo das taxas registadas na Europa ou EUA.
Quadro 6
13 de Abril de 2020