Fazendo um balanço das políticas da saúde e económicas de combate e mitigação da pandemia provocada pelo Covid-19, desde o início, conclui-se que Portugal teve uma performance próximo da média da UE nos diversos indicadores ligados às políticas de saúde, embora a nível mundial ocupe a 33ª posição a partir dos países com maiores custos humanos. No que respeita às políticas económicas, o país teve custos claramente superiores à média da UE. Não há pois razões para “celebrações exageradas”.

Dentro da UE os países com melhor performance conjunta foram a Dinamarca, Irlanda e Finlândia, e os piores a Bulgária, Czechia e Eslováquia.

Desde março de 2020 que a pandemia grassa na humanidade, tendo já provocado mais de 5,4 milhões de mortes, continuando a provocar cerca de 8 mil mortes diárias a nível global. A invenção das vacinas e a vacinação em massa veio levar a uma forte redução da mortalidade e taxa de infeção, mas o aparecimento de novas variantes como a Delta e Omicron travou a redução do grau de infeção e a transmissibilidade do vírus, tornando difícil atingir a imunidade de grupo.

Em termos globais, a região que teve piores resultados, tanto em termos económicos como sanitários, foi a América Latina. Seguem-se a União Europeia e os EUA, em que a UE foi pior nas perdas económicas e os EUA pior nas mortes per capita. Também de longe a melhor região foi a Ásia de Leste, e dentro desta a China, originária do vírus, que tinha já mais experiência no combate a este tipo de pandemia e adotou métodos mais drásticos. A Oceânia também apresenta muito bons resultados. Finalmente, a África, apesar de estar entre as áreas de pior sistema de saúde, tem apresentado bons indicadores.

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1 Quais foram os custos humanos da pandemia?

As Figuras 1 e 2 apresentam a evolução da pandemia em Portugal e num conjunto de países europeus mais próximos. A evolução das infeções mostra que estamos na fase ascendente da 6ª onda para este conjunto de países. Depois de ter batido recordes, mesmo a nível mundial, na 3ª onda, Portugal tem registado uma evolução favorável desde os primeiros meses de 2021. Em termos de mortes per capita, desde os primeiros meses de 2021 que este grupo de países tem tido uma baixa taxa de mortalidade, sobretudo desde junho, desde que a taxa de vacinação se situou entre 30 e 40% para este grupo de países. Até ao momento não há nenhum sinal de alarme em termos de mortalidade, apesar do número crescente de infeções na atual vaga.

Figura 1

Fonte: Ourworldindata, consultado em 27.11.2021

Figura 2

Fonte: Ourworldindata, consultado em 27.11.2021

Mas qual é o balanço dos custos humanos da pandemia desde o início em março de 2020 até 26.11.2021? O Quadro 1 apresenta os principais indicadores. Em termos de mortes reportadas como associadas ao Civid-19, e acumuladas durante o período, por milhão de habitantes, verificamos que a Bulgária (4 057 mortes por milhão de habitantes) e Hungria (3 518) têm os valores mais elevados, cerca de 17 vezes superior ao mais baixo da Finlândia (236). Portugal tem um rácio de 1 811, próximo da média da UE de 1 877 mortes. A primeira coluna mostra o ranking a nível mundial, excluindo os países com menos de 1 milhão de habitantes (exceto se pertencem à UE), e que mostra que Portugal ocupa a 33ª posição a nível mundial, a contar do país com máximo de mortes por habitante, o que não é uma posição que podemos considerar satisfatória.

Quadro 1 – Indicadores dos custos humanos da pandemia

Fonte: Worldmeter e ourworldindata

A Figura 2 mostra o número de mortes por milhão de habitantes.

Um resultado interessante é que a taxa de mortalidade, em percentagem, entre os países da UE aumenta com o rácio de mortes por milhão de habitantes, o que indica que o número de mortes aumenta não apenas com a taxa de infeção, mas também com fatores que poderão ter a ver com as condições sanitárias ou com a fragilidade dos sistemas de saúde: a taxa de mortalidade dos 4 piores países é 4 vezes superior aos 4 melhores: a melhor taxa é de Chipre com 0,45%. Portugal tem uma taxa de 1,62%, ligeiramente inferior à média da UE (1,82%).

Figura 3

Fonte: Quadro 1

A vacinação contra o Covid-19 foi um “game changer” da mortalidade. O Quadro 1 apresenta as taxas de vacinação completa (duas doses) das populações em finais de junho e em finais de novembro de 2021. Em finais de junho, a taxa média era de 37%, estando à frente Malta, Dinamarca, Chipre e Hungria. Em finais de novembro a média era de 64%, com as taxas de vacinação mais elevadas observadas em Portugal, Espanha, Malta e Dinamarca.  A Figura 4, que relaciona a taxa de vacinação com o número de mortes diárias por 10 milhões de habitantes, média na semana de 27.11.2021, mostra de uma forma clara da importância da vacinação para a redução da mortalidade devida ao vírus.

Figura 4

Fonte: Quadro 1

Mas a Figura 4 mostra ainda mais. É a partir de uma taxa de vacinação de cerca de 65% que a dispersão da taxa de mortes diminui de forma sustentada.

Os países com menor número de mortes diárias per capita na última semana (ver Quadro 1) são Chipre, Espanha, Suécia e Luxemburgo, todos com taxas inferiores a 10. Os países com taxas mais elevadas são Bulgária, Hungria, Croácia e Lituânia, com taxas superiores a 148 mortes por 10 milhões de habitantes. Não só baixaram significativamente as taxas de infeção, mas também houve uma forte quebra na taxa de mortalidade, que caiu para metade, em relação à média verificada desde março de 2020. Em Portugal caiu 70%, em Espanha e França 85% e na Irlanda 88%.

Existem outras formas de medir o sucesso das políticas de saúde duma forma talvez mais rigorosa. Primeiro, porque a prioridade dada pelos sistemas de saúde aos doentes com Covid poderá afastar os doentes de outras doenças, sobretudo doenças crónicas, ou atrasar intervenções ou tratamentos médicos. Uma forma de medir este fenómeno é utilizar o indicador dos excessos de mortes. Este excesso de mortes medido para um ano é a diferença entre as mortes efetivamente verificadas e a extrapolação do que se verificaria com base nos 5 anos anteriores, que se encontra no Quadro 1. Por exemplo, em Portugal, o excesso de mortes foi de 1 873 mortes, enquanto as mortes devido ao Covid foi de 1 811. Existe uma elevada correlação entre ambos os indicadores, e a posição de Portugal não se altera significativamente com este novo indicador.

Outra questão são o contexto em que atuam as políticas de saúde. Os estudos que efetuamos mostram que uma população com menor taxa de obesidade, mais saudável em geral, e em que as pessoas vivem mais isoladas tendem a ter menores taxas de infeção e mortalidade devida ao Covid. Assim, deveríamos extrair dos dados estes fatores e considerar apenas a mortalidade extra para fazer a avaliação do sucesso das políticas de saúde. E o que mostram os resultados deste exercício? Portugal piora a sua posição relativa na performance em termos de custos humanos de 3 a 6 lugares, enquanto o método acima colocava o país na 15ª posição de entre os 27 países, a contar do pior.

Em conclusão, embora Portugal tenha melhorado substancialmente as políticas de saúde contra a pandemia com a rapidez e cobertura do plano de vacinação, em termos gerais e desde o início da pandemia, as políticas de saúde tiveram um sucesso inferior à média da UE, causando um excesso de mortes superior ao que se esperaria, dadas as condições de saúde dos portugueses, e que se pode avaliar em cerca de 4 a 5 mil pessoas.

2 Quais foram os custos económicos da pandemia?

Existem muitas formas de medir os custos económicos dum choque sobre a economia derivado de uma pandemia. Mas o método mais simples é medir o impacto sobre o PIB. A forma como medimos as perdas foi medir a diferença, entre 2019 e 2022 entre a evolução do PIB, supondo que este continuaria a evoluir à tendência dos últimos 25 anos, e o PIB realmente verificado. Chama-se a atenção que o ano de 2022 utiliza as projeções da Comissão Europeia para os países da EU e do FMI para os outros países, mais abaixo. Fizemos a estimativa incluindo 2022, pois os efeitos da pandemia ainda continuarão a registar-se no próximo ano.

A Figura 5 mostra estes resultados, acumulados ao longo de 2020-2022, em percentagem do PIB de 2019. Como podemos verificar, os cinco países que tiveram maiores custos foram Malta (com custos acumulados de 33% do PIB), Espanha (31%), Czechia (23%), Eslováquia (23%) e Portugal (20%). Os países que tiveram menores quebras foram Finlândia e Suécia (12%), Hungria e Luxemburgo (10%), Dinamarca (5%) e Irlanda (3%).

Os custos económicos resultam dos lockdowns e outras medidas restritivas adotadas pelos governos e/ou dos comportamentos dos agentes face à pandemia, e do impacto das medidas e/ou comportamentos de outros países sobre dada economia, como por exemplo, medidas que provocam a queda nas exportações de bens ou serviços, como o turismo. Por exemplo, esta última variável afetou seriamente as economias maltesa (-10% do PIB entre 2019 e 2020), espanhola (-8%), portuguesa (-9%), cipriota (-10%), croata (-14%), italiana (-6%) e grega (-11%), segundo dados da Statista.

Figura 5

Fonte: Ameco, novembro 2021

Em conclusão, embora haja condições de partida diferentes, e fatores que não estão diretamente no controle de um governo nacional a nível da União, é da responsabilidade das políticas económicas gerir de forma a mitigar o impacto da pandemia sobre a economia. Estima-se que Portugal perdeu cerca de 40 mil milhões de Euros devido aos efeitos da pandemia.

3 Quais os países que tiveram maior e menor sucesso na gestão da pandemia?

Estamos agora em condições de analisar a gestão da pandemia nas duas dimensões aqui consideradas: saúde e economia. A Figura 6 apresenta os dados para as duas dimensões: no eixo vertical as perdas do PIB em percentagem, e no eixo horizontal as mortes por milhão de habitantes, valores acumulados ao longo do período.

Os países que melhor geriram a pandemia são os que tiveram simultaneamente menores custos humanos e económicos do que a média da UE, ou seja, os países que estão no quadrante inferior esquerdo (BEST). Simetricamente, os que tiveram maiores custos em mortes e de redução do PIB do que a média da UE são os que estão no quadrante superior direito (WORST). Nos outros dois quadrantes estão os países que foram melhores numa dimensão e piores na outra.

Figura 6

Fonte: Quadro 1 e Figura 5

As principais conclusões, que resultam da leitura da Figura 6, encontram-se aqui resumidas:

4 A União Europeia no contexto internacional

Temos restringido a nossa análise à UE. Mas como se situa a UE no contexto internacional? O Quadro 2 resume as principais estatísticas em custos humanos e económicos para as principais grandes regiões ou países do mundo: em número de mortes por milhão de população a América do Sul e os EUA registam os números mais dramáticos, aparecendo a UE em terceiro lugar. Com taxas de mortes per capita vem depois a Índia, e com taxas já bastante inferiores a África e o Japão. A China continua a reportar um número quase negligível de mortes.

No que respeita à vacinação as taxas mais elevadas registam-se no Japão e China, seguidas pela UE. Os EUA que foi o primeiro país a avançar para a vacinação em massa está hoje atrasado no contexto mundial. África tem uma taxa muito reduzida, pelo que não surpreende que as recentes variantes tenham sido aí originadas.

Nos dados mais recentes da atividade epidémica, a UE volta a ter o record seguida pelos EUA, embora a níveis muito inferiores aos das ondas anteriores.

Quadro 2

Fonte: Ourworldindata e FMI, WEO

No que respeita aos custos económicos as maiores perdas registam-se na Índia e América Latina, e as menores na China, África e EUA.

Em termos de gestão da pandemia é a China que de longe leva a dianteira. Por causa das condições de base, atribuídas por alguns especialistas a condições imunológicas, África apresenta até agora a segunda melhor performance. A pior performance é da América Latina. A UE tem piores resultados em termos económicos, mas melhores nas políticas de saúde que os EUA.

5 Lições para a gestão futura de pandemias

A única forma de melhorar a gestão da pandemia, tanto na dimensão da saúde como económica é estudar as melhores práticas dos países que tiveram melhor performance.

Primeiro, é evidente que existe um conflito entre as medidas de restrição à atividade por razões sanitárias e a economia. Nem sempre os países que adotaram medidas mais restritivas, com forte impacto negativo sobre a economia, obtiveram os melhores resultados em redução do número de mortes, o que exige um “fine tuning” e uma gestão baseada no melhor aconselhamento de políticas de saúde e económicas de suporte à atividade económica.

É fundamental uma atuação atempada e equilibrada. A Figura 7 mostra o índice de restrição da Universidade de Oxford que revela que não só estarmos longe ainda de uma situação normalizada, como um novo apertar de medidas desde outubro de 2021, primeiro pela França e agora pela Alemanha. As respostas da Espanha e Portugal são mais moderadas. A resposta à nova variante Omicron ainda não é clara e não sabemos se é proporcional à gravidade da situação.

Figura 7

Fonte: Ourworldindata

Da mesma forma, se a Comissão Europeia e os países tivessem conseguido uma taxa de vacinação superior aos 65% antes do verão de 2021, provavelmente não se teria perdido mais um ano turístico, como aqui se chamou a atenção várias vezes.

Segundo, as condições de partida são fundamentais para avaliar o impacto das medidas: populações mais saudáveis e com melhores hábitos de saúde têm maiores probabilidades de ter menores custos globais. Da mesma forma, um melhor sistema de saúde que dê resposta tanto aos doentes de Covid como os de outras doenças, levará a menores custos humanos e económicos, como o demonstram os casos dos Países Nórdicos, Alemanha e Irlanda.

Terceiro, a vacinação teve um impacto claro e decisivo sobre a redução da mortalidade, sobretudo quando a taxa de vacinação completa ultrapassa os 65% da população. Embora se esteja a assistir a uma sexta onda da pandemia na UE, esta está a manifestar-se na subida das taxas de infeção, mas a taxa de mortalidade ainda se mantém baixa, o que se deve sem dúvida às vacinas.

Finalmente, qual é o veredicto sobre as políticas de gestão da pandemia em Portugal até ao momento? Podíamos ter feito melhor nas políticas de saúde com uma resposta mais consistente e atempada às ondas pandémicas, sobretudo nos primeiros meses de 2021 em que batemos recordes a nível mundial. Também tem havido um excesso de mortes evitável se os serviços de saúde e, em particular o SNS, tivesse mantido a resposta aos doentes não Covid. Mas é sobretudo na área da gestão económica em que o país falhou e que deve aprender com as melhores práticas internacionais.