Vamos ser sinceros uns com os outros. Quem de nós sabia localizar o Catar no mapa há 6 meses atrás?

A maioria dos europeus desconhecia a cultura, a geografia, a demografia e tantas outras coisas sobre o Catar. O Mundial veio mudar isso. De repente, todos nós nos preocupamos com os direitos humanos, com a proibição de álcool nos estádios e com as condições dos trabalhadores imigrantes neste país.

Dos 2.6 milhões de habitantes do Catar, apenas cerca de 315.000 são cidadãos do país (12%). O resto são imigrantes e expatriados. Um dado aparentemente chocante. Nos Emirados Árabes Unidos a percentagem é igual. Os imigrantes constituem 88% da população. No Kuwait 60% e no Bahrain aproximadamente 50%. O Catar equipara-se a outros países da região neste aspeto demográfico. Talvez devêssemos exercer a mesma pressão nos países vizinhos, mas como (ainda) não há Mundial de futebol ou Jogos Olímpicos nesses países, a comunidade internacional não tem peso nem influência para mudar seja o que for.

Lemos as notícias: “Catar proíbe venda de álcool nos estádios.” Vamos contextualizar: O consumo de álcool é ilegal no Catar, podendo levar a 6 meses na prisão. Esta proibição foi discretamente “posta de lado” durante a duração do Mundial. A proibição mantém-se dentro do recinto dos estádios. Ou seja, o Catar, efetivamente, está a ir contra a sua própria lei (e código religioso) ao vender álcool fora dos estádios. Logo, o título mais adequado seria: “Catar autoriza a venda de álcool no país. Um acontecimento inédito.”

Podemos dizer que o Mundial trouxe o álcool para o país. Os Cataris têm a sua religião, mas como sabemos, todos os princípios têm um preço. O capitalismo é uma força muito poderosa. Os países abrem-se aos estrangeiros e, inconscientemente, mudam a sua cultura. Cada turista português ou espanhol que faz férias em Marrocos ou na Tunísia e pede um copo de vinho num restaurante está a incentivar o próprio povo a ir contra o seu código religioso a troco de dinheiro. Nesse momento, os escolásticos têm que arranjar e desenrascar interpretações “alternativas” ao Corão para poderem vender o dito copo de vinho e fazer a economia do país prosperar. Os próprios empresários fazem pressão ao governo para tal. Quando um homossexual americano fã de futebol chega ao Qatar com os bolsos cheios de dólares, pronto para os gastar em cerveja, os imãs têm que rapidamente arranjar uma nova interpretação do Corão para acomodar essa pessoa no país. Ninguém escapa ao capitalismo. O dono do bar que obedece aos princípios religiosos à risca terá a caixa registadora vazia porque não pode vender a tão desejada cerveja fresquinha.

Por esse motivo, espero que o próximo Mundial seja na Coreia do Norte. A comunidade internacional terá mais ferramentas para fazer negociações. Os artistas farão arte a criticar o regime. As pessoas lerão mais e vão-se informar mais sobre o país. Tudo isto contribui para a mudança. Sem intercâmbio, tudo se manterá igual.

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