A publicação do livro “Identidade e Família” tem sido para mim um estudo social interessantíssimo. Não pelo seu conteúdo, mas pelo conteúdo das opiniões em seu redor. A chamada esquerda woke tem-lhe chamado tudo e mais alguma coisa, e cito alguns comentários que fui ouvindo, “trogloditas”, “cheiro a naftalina e a mofo”, “medievais”, etc. A direita fundamentalista, por seu lado, também não lhe fica atrás com comentários do género “preconceituosos”, “superioridade moral”, “arrogantes”.

Um dos problemas deste país é ter independentes insuficientes, independentes no verdadeiro sentido da palavra. A esquerda woke é agressiva, elitista e limitada, mas a direita fundamentalista também o é na mesma medida. E não há muitas pessoas que o consigam ver de igual forma. A direita fundamentalista já perdeu toda a razão que tinha quando chamava superiores morais à esquerda woke quando, ela própria, assim que tem protagonismo para tal, emana a mesmíssima superioridade moral perante todos. A esquerda woke e a direita fundamentalista usam o mesmo slogan: não passarão!

Eu sei que há muita gente que gostaria que a escola ainda tivesse a cruz de Cristo pendurada, que acredita que os valores católicos ainda deviam ser obrigatórios, que o amor entre pessoas do mesmo sexo é imaturo e deve ser “castrado”, que a mulher ainda está melhor na cozinha. E respeito todas essas opiniões, que possam existir, mas que não condicionem as nossas escolhas, da mesma forma que os cavaleiros andantes pela família não são prejudicados, por exemplo, porque o aborto ou a eutanásia não são obrigatórios nem sequer promovidos. São leituras que se fazem, que haja direitos para se fazer uma coisa não é sinónimo da sua promoção nem do seu incentivo. Eu estou convencida de que tudo se resolveria se o corpo dos homens pudesse engravidar todos os meses como o das mulheres, e duvido bastante que, se assim fosse, tantas dúvidas houvesse. E não acredito que os homens não quisessem liberdade para escolher.

Não me sinto preconceituosa por ter criticado a direita fundamentalista, porque critico igualmente a esquerda woke e os seus exageros (sim, podem confirmar em artigos anteriores). Sabem que não é preciso ser adepto da esquerda woke para criticar a direita fundamentalista, certo? É possível não simpatizar com nenhum dos movimentos. “E esta, hein?” Não tenho palas nos olhos, embora muitos as queiram impor em nós. Parece que já não há pensadores livres, há uma imposição para escolher um lado. As interpretações que vejo serem feitas de cada lado são cada vez mais tendenciosas, e não me espantou minimamente quando me chamaram “rafeira”, “filha de égua”, “drogada”, “demente”, “estúpida”, “louca”, entre outras coisas hilariantes, embora muito pouco dignas do amor ao próximo (pensava eu que eram todos muito católicos), quando critiquei abertamente e com sarcasmo (sim, porque o humor ainda é permitido), o livro “Identidade e Família”. Até falaram do meu aspecto físico e insinuaram que “ando a comer” alguém para conseguir publicar os textos, veja-se bem, terá algo a ver com eu ser mulher? Não, claro que não… Os autores do livro defendem tanto a mulher, até me querem dar um subsídio para comprar uma frigideira para cozinhar melhor. Dizem que os homens que assim o desejem também poderão ter o mesmo subsídio, no entanto, Paulo Otero diz-nos que “há coisas que só as mulheres podem fazer”. Em que ficamos? Ou será que o subsídio vai ser superior para as mulheres, visto que só elas podem fazer certas coisas? Ora bem, pois claro, apenas as mãos doces da mulher fazem aquele belo guisado, aconchegam os lençóis da criança e fazem uma bela massagem aos pés do marido.

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Tanto a esquerda woke como a direita fundamentalista precisam de uma introspecção longa e profunda. O medo é um dos grandes motores da nossa condição, foram a ansiedade e o medo que nos mantiveram vivos. O medo é tão forte que não escolhe esquerdas nem direitas e o que eu vejo, tanto na esquerda como na direita, é um medo infernal de perderem o poder. Há uma guerra ideológica acesa, porque ambos se sentem atacados. Quando se cai em extremos, de ambos os lados, é sinal de doença, doença social e transversal.

Lamento, mas não sou uma marioneta da esquerda woke nem da direita fundamentalista. O elitismo da nossa sociedade fez com que fosse quase mandatório escolher um lado. Ou se entra no barco ou se sai dele. Se formos contra o aborto, a esquerda woke atira-nos aos leões; se formos a favor do aborto, a direita fundamentalista atira-nos às hienas. Se escolhermos um lado, somos marginais para o outro. É a sociedade “tik-tok”, ou dizes tik, ou dizes tok, se dizes tico tico… É para o lado que eu durmo melhor.

E viva a franja no cabelo (que pelos vistos é um penteado de esquerda e “wokista” e eu nem sabia), que até ela serviu para me descreditar, não há dúvida que estamos todos em modo estética superficial. Quando não há argumentos, há cabelo (principalmente o couro cabeludo das mulheres, que os homens são demasiado importantes para que se lhes fale do cabelo). Bem-haja aos esteticistas pela verdade! E pequena nota sobre este assunto: sempre fui uma mulher contra o “feminismo diabólico ou exagerado”, continuo a não concordar com ele, mas talvez tenha percebido o motivo da sua existência, é que as mulheres não são, de facto, criticadas da mesma forma que os homens. Os insultos, tanto aos homens como às mulheres podem ser ambos abomináveis e feios, mas os feitos às mulheres são de uma força bruta diferente. Um homem que pensa e diz o que pensa é um idiota, mas uma mulher que pensa e diz o que pensa é uma p… Não preciso de me justificar, tirem as vossas ilações. Ah, e achei curioso todos os que opinaram que eu devia ter sido um aborto. Mas não eram contra? Mau maria. É mesmo caso para dizer: valha-nos nosso senhor!

PS: Para informar os leitores mais incendiados, não sou paga para escrever as crónicas, escrevo por gosto. E qualquer cidadão pode enviar um email para o Observador e submeter a sua opinião para apreciação.