“Eu vi um anjo no mármore e esculpi até libertá-lo”.
Michelangelo

Michelangelo, ao esculpir o anjo, apenas removeu o excesso de mármore para revelar a obra do que já estava lá: o essencial.

Vivemos num mundo onde o excesso muitas vezes é confundido com excelência. Acreditamos que mais é melhor, que acumular funções, responsabilidades e posses é sinónimo de sucesso. Entre a sabedoria milenar e o essencialismo moderno, encontramos um princípio aparentemente contraditório, mas na verdade, totalmente certo: menos é mais.

Tomemos como exemplo os editores de filmes, cujo trabalho, muitas vezes subestimado, é crucial para o sucesso de uma produção. Michael Kahn, editor-chefe de longa data de Steven Spielberg, ilustra perfeitamente o papel vital de um editor. Ao escolher o que fica e o que é descartado, ele configura a narrativa de modo que apenas os elementos mais impactantes permaneçam, permitindo que a história flua de maneira coerente e emocionante.

A ligação entre montagem cinematográfica e liderança eficaz é ilustrada por Jack Dorsey, conhecido pela sua importância no sucesso do Twitter e da Square. Dorsey vê o seu papel como o de um editor-chefe, focado em refinar e definir o que é verdadeiramente vital para a empresa. Essa capacidade de “dizer não” ao trivial e de “selecionar o essencial” é o que distingue líderes verdadeiramente eficazes. Eles, como bons editores, não apenas eliminam o desnecessário, mas fazem-no de forma que adiciona valor ao que é retido, tornando o resultado mais eficaz.

Essa prática de eliminação não é apenas útil no mundo corporativo, público ou privado. Ela aplica-se igualmente à nossa vida pessoal. Assim como um editor de filmes corta cenas que não servem à narrativa, podemos cortar hábitos, compromissos e até relacionamentos que não contribuem para a nossa visão de vida. É uma disciplina que exige coragem e clareza, pois, frequentemente, significa deixar de lado coisas às quais dedicamos tempo e energia, e às quais, tínhamos atribuído grandes expetativas.

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A prática do essencialismo obriga-nos a confrontar e definir a nossa verdadeira identidade, e por sua vez, as nossas prioridades. Cada escolha de “cortar” o que é supérfluo exige um profundo conhecimento de si mesmo, das próprias paixões, valores e aspirações. Este processo não é apenas uma eliminação de excessos, mas um ato de autoafirmação, onde cada “não” dado, a distrações e superficialidades é, na verdade, um “sim” para a própria essência e para aquilo que genuinamente nos define.

Ao escolhermos conscientemente, o que manter e o que eliminar, estamos, de facto, a desenhar o futuro que queremos para as nossas vidas. Este não é apenas um exercício de minimalismo ou de gestão do tempo; é uma filosofia de vida que promove uma existência plena e com mais significado. Aprendemos a olhar o nosso tempo e os nossos recursos como os bens mais preciosos, mas finitos que são, garantindo que cada momento e cada escolha se alinhem harmoniosamente com os nossos valores.

A prática do essencialismo, não é apenas uma técnica de gestão ou um truque artístico; é uma filosofia de vida. Ensina-nos a valorizar menos o volume e mais a qualidade, menos a presença e mais a essência. É uma aposta séria numa vida mais determinada e menos dispersa, onde cada escolha e cada “não” dado, nos aproxima mais do que realmente valorizamos e desejamos cultivar.

Portanto, seja na montagem de um filme premiado, no esculpir da visão empresarial, na liderança de políticas públicas ou na condução de uma vida plena, a habilidade de distinguir entre o necessário e o supérfluo é a derradeira ferramenta. Num mundo cada vez mais contaminado com o supérfluo e cheio de distrações, aprender a arte da “edição” das nossas próprias vidas pode ser o segredo mais bem guardado para alcançar a verdadeira excelência e satisfação na “Arte de viver”.