A frase que dá titulo a este artigo foi escrita a pensar nos próximos dias mas é aplicável a boa parte das semanas do ano em Portugal ao longo dos últimos anos. Rara é a semana em que as empresas públicas de transportes funcionam normalmente e os utentes não são prejudicados por greves. Esta semana há greve nos transportes públicos, tal como houve na semana anterior e como haverá na semana seguinte. Para dar apenas alguns exemplos: dias 8 e 9 de Dezembro, houve greve nos STCP; dia 17 há greve no Metro de Lisboa (provavelmente a empresa recordista em paralisações), que volta a parar no dia 22; e no dia 18 é a vez da Refer. À lista pode ainda acrescentar-se a Portugália, com greves a 12 e 14, e a TAP, cujos sindicatos se propõem oferecer aos portugueses nesta quadra natalicía greves nos dias 27, 28, 29 e 30 de Dezembro.
Curiosamente, um motivo omnipresente nas tentativas de justificação das greves por parte dos sindicatos é a defesa do “serviço público” de transportes. É no mínimo estranho que a defesa do “serviço público” de transportes passe pela negação sistemática do serviço de transportes ao público. Mas além de assinalar a notória incoerência argumentativa dos sindicatos nas suas tentativas de legimitar o boicote sistemático dos serviços de transportes, importa perguntar por que é que o sector dos transportes é um alvo prioritário e recorrente para greves.
A este propósito, creio que Carlos Guimarães Pinto, Miguel Botelho Moniz e Ricardo Francisco oferecem uma parte importante da resposta na seguinte passagem do muito recomendável livro O Economista Insurgente, onde destacam o efeito multiplicador do impacto negativo das greves nos transportes sobre outros sectores de actividade económica e sobre a sociedade em geral:
“Como muitas pessoas ainda vão dependendo dos transportes públicos para chegar aos empregos, uma greve nos transportes desencoraja ou impede de todo outros trabalhadores de deslocarem-se ao emprego. Aqueles que têm escolha, antecipando a greve nos transportes públicos, levam viatura própria para o emprego nesse dia, contribuindo para um trânsito ainda mais intenso. Tudo isto faz com que muitas pessoas completamente desinteressadas nos motivos da greve acabem por também faltar ao emprego nesse dia, aumentando de forma artificial o real impacto das greves. Ao contrário de outros trabalhadores, cuja ausência ao trabalho tem pouca visibilidade pública, uma greve dos transportes gera um caos visível e multiplicador. Precisamente por isso é que os sindicatos fazem um esforço tão grande para garantir adesão à greve neste sector.”
Além de servirem para alavancar – frequentemente com sucesso – reivindicações e privilégios específicos, as greves nos transportes são assim um instrumento político altamente eficaz para causar danos a uma grande proporção da população e à economia. Compreende-se por isso que sindicatos que são eles próprios em muitos casos instrumentos do Partido Comunista e da restante extrema-esquerda não hesitem em promover sistematicamente paralisações no sector tendo em vista a maximização dos prejuízos causados à sociedade.
No que diz respeito às empresas públicas de transportes, seria um passo importante para a sua despolitização a privatização, ou pelo menos a concessão da sua gestão. Em alguns casos, face à magnitude dos prejuízos e dos vícios acumulados ao longo de décadas, deveria ser seriamente considerada a possibilidade de declarar falência. Mas mais importante ainda é levantar barreiras e promover condições institucionais que facilitem o aumento da concorrência nos transportes entre múltiplos prestadores. O caso das ligações entre Porto e Lisboa pela Ryanair é um excelente exemplo: não só aumentam as escolhas dos consumidores e pressionam empresas estatais como a TAP e a CP a reduzir preços, como proporcionam uma alternativa em dias de greve, reduzindo os seus impactos negativos. Um exemplo de genuíno serviço público.
Professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa