outro vírus global, igualmente contagioso, a contaminar as pessoas. Não é novo e pode não ter efeitos na saúde individual (pelo menos a curto prazo), mas tem efeito no bem-estar coletivo, nomeadamente na saúde organizacional. Não tem um nome tão sonante como o novo coronavírus, mas este dita logo os sintomas e chama-se falta de confiança nos líderes.

Sintomas da falta de confiança nos líderes.

Não há propriamente uma lista com “certos e cruzes” para o conseguirmos diagnosticar, mas os primeiros sintomas aparecem com a falta de motivação ou com o fraco desempenho e, a longo prazo, causa problemas de stress e repercussões na vida pessoal de cada colaborador.

Também estes sintomas são passíveis de verificação em testes físicos. A diferença é que, ao invés de serem categorizados como positivo ou negativo, são medidos pela quantidade de oxitocina presente em cada colaborador, considerada a hormona da felicidade. Existem potenciadores e inibidores da produção de oxitocina e estes influenciam as ações dos trabalhadores, bem como o melhor ou pior desempenho das suas funções.

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O que importa é que os líderes percebam como é que, num contexto de crise que é primeiramente pessoal e relacional, a sua ação deve ser feita de modo a contribuir para potenciar a felicidade entre eles, adotando práticas como:

  • Necessidade de reconhecimento: os colaboradores valorizam o reconhecimento, em especial quando é imediato, após a conquista de um determinado objetivo. Se não for possível ser imediato, que seja, tangível, inesperado ou público. Um bom exemplo é a atribuição de pacotes de incentivos à medida de cada um. Ou simplesmente dizer um “obrigado” sentido.
  • Flexibilidade e possibilidade de customizar o trabalho: a possibilidade de definir, com responsabilidade, os projetos de trabalho com os quais os colaboradores mais de identifica ou a possibilidade de definir o local ou o horário de trabalho (sempre em conformidade com as práticas e valores da organização) é crucial para garantir a sua autonomia e consequente felicidade. É urgente rever as práticas de trabalho e garantir a sua modernização.
  • Transparência e partilha da informação: o poder da comunicação é o mais antigo e reconhecido em qualquer canto do mundo. É crucial eliminar todo o ruído possível, facilitar as formas e os canais de comunicação organizacional e permitir que esta seja feita de forma horizontal, preferencialmente em grupos multidisciplinares). Eliminar “silos” e construir canais para que se promova o dialogo e entendimento comum sobre os problemas. Transparência total. Digam a verdade ou ponham-se a andar. Liderar em tempos confusos não tem a ver com estar certo ou errado: nessas alturas só existe o verdadeiro e o falso.
  • Investir nas relações interpessoais: estando um colaborador bem na sua vida pessoal, é meio caminho andado para que isso vai se reflita no seu bom desempenho profissional, mas o líder só o saberá se tiver o cuidado de questionar, de escutar os seus colaboradores e demonstrar preocupação com o seu bem-estar para além das condições proporcionadas na empresa. Apostando no bem-estar individual, potencia-se a performance coletiva. Criar culturas de feedback onde as pessoas possam ser autenticas, possam ajudar-se e confiar umas nas outras.
  • Facilitar o crescimento pessoal: é crucial apostar no desenvolvimento comportamental e moral dos colaboradores, substituindo as tradicionais e pouco eficazes “avaliações de desempenho”, por um investimento mais sério em gerar as soft skills que importam no atual contexto – e que de soft pouco têm.
  • Assumir a vulnerabilidade: a inteligência emocional nunca teve tanto espaço e importância. É cada vez mais necessário assumir que não se sabe tudo, remover o ego das discussões, pensar e compreender antes de agir, criando espaços seguros para arriscar e errar.

Enumerado até parece fácil, mas num contexto complexo como é o atual, o facto de estarmos envolvidos, de sermos capaz de oferecer e pedir ajuda, escutar, ser humildes e vulneráveis, é o desafio mais complexo de todos.

Porque não é só culpa do contexto, as próprias pessoas são imprevisíveis e incertas: o que é valorizado por uns, não o é para outros e é esta incerteza que obriga um líder a ser criativo, curioso e resiliente, elaborando vários planos de ação para estar preparado para qualquer frente de batalha.

Sendo que a primeira é consigo mesmo. A experiência e o conhecimento vão toldando o pensamento e as ações de um líder, ainda que de forma inconsciente. Ganham-se vícios e hábitos de trabalho que tornam ainda mais difícil a necessidade de ser ambíguo, por isso, capaz de conciliar os vícios adquiridos com a abertura de espírito e a capacidade de olhar para as coisas como se fosse a primeira vez por forma a apresentar novas perspetivas, simplificar e agilizar processos, numa atitude volátil.

Não há receitas milagrosas, mas há ingredientes que fazem toda a diferença para que os líderes aumentem os seus níveis de confiança e estes são os ingredientes principais das melhores receitas que servem de base às culturas de confiança num mundo VICA (volátil, incerto, complexo e ambíguo).

Origem do “vírus”

Este “vírus” não é de agora. Já no início do ano tinha sido publicado um relatório (Odgers Berndtson) precisamente sobre o tema da crise da confiança na liderança a nível global. É igualmente difícil encontrar-se aqui o “caso 0”, ou seja, onde é que esta pandemia começou e de onde partiu o contágio.

De modo geral, pode atribuir-se a culpa aos rápidos avanços tecnológicos que permitem uma vida a um ritmo acelerado e em constante mudança, bem como à incerteza económica. Apesar do conceito de inovação e disrupção não serem propriamente uma novidade, é a rapidez e a frequência com que impõem atualmente, que se constitui como o maior desafio da maior parte dos líderes.

A falta de confiança generalizada nos líderes a nível mundial, prende-se essencialmente com a incapacidade de responder às necessidades atuais por falta de visão e de estratégia, pouca empatia na relação com as pessoas e capacidade de comunicar com eficácia.

Novas capacidades de liderança

A habitual estratégia pensada a 3 ou 5 anos está obsoleta. Os novos líderes querem-se capazes de reagir a uma mudança constante, conduzir o crescimento, encontrar o balanço entre ser ágil e resiliente para se manter em atividade e serem curiosos e capazes de motivar e comunicar com uma equipa talentosa. Líderes que gostam de pessoas. Que dizem a verdade.

Um estilo de liderança moderno em constante adaptação requer maior trabalho de equipa, maior relação interpessoal com a liderança estratégica com uma ideia comum e uma comunicação constante para absorver as contribuições de todas as áreas. Deve-se, por isso, apostar numa cultura mais colaborativa e, por contraste, abandonar a velha ideia de comando e controlo.

Importa assim assumir vulnerabilidade, enquanto se abre portas para que os colaboradores inovem em conjunto e sem receios, num ambiente que promova a despenalização do erro e, pelo contrário, celebre a tentativa e a proatividade.

São precisamente estas que são consideradas as power skills necessárias de um líder moderno e que serão avaliadas neste contexto pós-Covid. A pandemia que afetou o mundo, põe à prova empresas de todos os sectores e, consequentemente, os seus líderes. Estes têm de provar que os seus colaboradores, bem como clientes e parceiros, podem confiar na sua gestão.

E já há vacina para isto?

O antídoto para esta situação passa por encontrar, reter e saber gerir talento, profissionais com perfil de liderança moderna que se identifiquem com o propósito da empresa e da função a desempenhar.

A maior parte dos líderes não está segura de si (e da sua equipa) no que diz respeito à competência para liderar em contexto de crise. Se já havia uma crise identificada nos líderes a nível mundial, muito devido à incerteza de liderar em contextos disruptivos, no panorama atual assistiremos, muito provavelmente, à promoção dos poucos case studies daqueles que efetivamente foram bem-sucedidos a superar esta crise de cima.

As organizações precisam, acima de tudo, de identificar e confiar nos agentes da mudança, de se consciencializarem sobre quais são os potenciadores e os inibidores da confiança dos seus líderes, apostando na aquisição, desenvolvimento à medida e retenção de talento para a sobrevivência dos negócios.

A inteligência emocional, a coragem a curiosidade e correta definição da estratégia e visão organizacional vai determinar a sobrevivência dos mais fortes, fazendo com que a atuação em contextos de crise se torne a mais forte arma de seleção natural das empresas.