Num destes dias li a seguinte história:

Um homem senta-se num bar e encontra um velhinho que lhe parece familiar. O velhinho está um pouco acabado mas, mesmo assim, aquele bigodinho, aqueles olhos…

– Desculpe, você é o Adolf Hitler?
– Sou.
– Pensei que você tivesse…
– Todos pensam. Continuo vivo.
– Aposto que vive cheio de arrependimento pelo que fez.
– Que foi que eu fiz?
– Como diz? E os seis milhões de judeus que mandou matar?
– Ahhh, eles. Já me tinha esquecido.
– Quer dizer que se fosse hoje faria o mesmo?!
– Não. Mandava matar seis milhões de judeus e dois acrobatas.
– Porquê dois acrobatas?!
– Vê como já se esqueceu dos judeus?

Passamos grande parte do nosso tempo preocupados com os “dois acrobatas”. Sempre a partir pedrinha pequena e a negligenciar o essencial.

O que faria se estivesse num passeio em alto mar com amigos, a bordo de um iate ou de uma qualquer embarcação de recreio, mergulhasse e, já debaixo de água, desse de caras com um tubarão-branco? Provavelmente, a primeira reação que teria, a de voltar a subir para o barco o mais rapidamente possível e de gesticular a pedir ajuda, ia custar-lhe a vida.

Nem sempre devemos confiar nos nossos primeiros instintos, aqueles que são os mais “animalescos”, porque o que nos garantiu a nossa evolução como espécie e, no fundo, a nossa sobrevivência, foi a nossa capacidade de raciocínio e de análise de cada situação para além daquilo que ela representa num dado momento.

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Este exemplo do tubarão não é algo inventado para o propósito deste artigo. Aconteceu a uma mergulhadora que se preparava para realizar a sua habitual atividade de pesca submarina no Hawai. Kimi Werner é profissional desta modalidade, que realiza em conjunto com o seu pai praticamente desde que nasceu. Numa brilhante TedTalk, partilha um ensinamento importantíssimo que tão bem se aplica ao que vivemos atualmente e que pode mesmo garantir a nossa sobrevivência em determinadas situações: quando sentires a necessidade de ir mais rápido, abranda.

Quando Kimi está num momento de aflição e sente que precisa de chegar à tona o mais rapidamente possível, o instinto animal que lhe diz para nadar e esbracejar o máximo que conseguir até à superfície pode custar-lhe a vida (uma vez que, se o fizer, gasta rapidamente o pouco oxigénio que lhe resta). Nestas situações, tal como quando enfrentou a ameaça do tubarão, a capacidade de manter a calma e “respirar” é o que lhe permite uma melhor tomada de decisão. Se está curioso sobre como é que ela conseguiu efetivamente “escapar” ao tubarão, pode espreitar o vídeo e a TedTalk mencionada.

O ensinamento que desta história quero trazer e que serve como uma luva ao contexto que vivemos é que, muitas vezes, as coisas que achamos que devemos fazer num momento de maior tensão são exatamente o oposto daquilo que devemos.

As decisões que tomamos devem ser providas de significado e não tomadas de “cabeça quente” e sujeitas à pressão do momento. E isto aplica-se às decisões tanto a nível pessoal, como profissional e a sua importância cresce paralelamente à complexidade das questões que precisam de ser decididas. Assim se percebe também porque é que as decisões num contexto de liderança, carecem de uma enorme responsabilidade por parte do líder.

Liderança ad hoc versus liderança com significado

Como já foi referido, nunca antes conhecemos um ritmo de vida tão acelerado como o que vivemos atualmente. Os automatismos a que estamos sujeitos dão-nos uma margem muito reduzida para atribuir significado ao que fazemos diariamente ou mesmo ao caminho que nos encontramos a percorrer.

Assim, em alturas de conflito (e, muitas vezes, de conflito interior) esperamos reconhecer no líder alguém muito para além de uma figura de autoridade. Procuramos que o líder seja capaz de alimentar a nossa motivação e de contribuir para manter acesa a chama que existe quando somos apaixonados pelo que fazemos. Também para o próprio líder é crucial que esta não se apague.

É especialmente interessante, neste contexto, ter presente o que aprendemos com aqueles que são os verdadeiros exploradores, os aventureiros que se colocam a si próprios em situações de risco: que, em situações aflitivas, o mais importante é manter a calma e o discernimento (como percebemos acima).

Quando uma determinada situação nos deixa perante uma necessidade imediata de agir, o melhor a fazer é parar e refletir. Fazer precisamente o contrário daqueles que são os nossos instintos imediatos é, muitas vezes, a escolha mais acertada. Cabe ao líder gerir estas emoções e conseguir, também ele, manter a calma apelar ao seu conhecimento e bom senso para tomar as melhores decisões e para fazer as suas equipas sentirem-se seguras, observadas, escutadas e respeitadas.

Quando as decisões não são tomadas de ânimo leve, elas tornam-se portadoras de um significado. Estão a acontecer porque alguém que refletiu sobre as mesmas tem um objetivo maior.

Sinal de GPS perdido

Quantas vezes já se encontrou a fazer algo de forma tão automática que nem percebe que efetivamente realizou tal tarefa? Ou de que percorreu determinado caminho.

Tecnicamente os nossos dias têm 24 horas mas, para a grande maioria, têm bem mais. E é por isso que parar, seja para o que for, é considerado um luxo. Quanto mais parar para refletir sobre o caminho que estamos a percorrer. Não apenas sobre aquele caminho literal que fazemos automaticamente para casa, para o supermercado ou para o trabalho. Mas antes sobre o caminho, ou melhor, sobre o rumo que a vida está a tomar, pessoal e profissionalmente.

O atual “normal” é concluir as tarefas rapidamente, pedir coisas para “ontem”, decidir rapidamente e avançar. Com ou sem estratégias, com ou sem objetivos, o que importa é que se dê andamento à coisa. E quando a coisa dá para o torto chega-se muitas vezes à conclusão de que tudo o que podia ser feito para evitar um final desastroso (ou menos bem-sucedido) era ter parado para pensar. Refletir sobre o significado do que estamos a fazer, sobre o timing, sobre o impacto, sobre a execução. Isto vai muito para além do plano estratégico que consta no Excel ou no PowerPoint feito à pressão e fora de horas.

Parte-se do princípio de que há um alinhamento das pessoas sobre o que está a ser feito (e sobre o porquê de estar a ser feito) e que há uma liderança capaz de lidar com as consequências de cada ação, quando muitas vezes não é o caso. O comum é ver-se pessoas que não fazem ideia do porquê de estarem a trabalhar em determinado projeto ou tarefa. E não perceber o seu propósito, o significado geral das coisas, é meio caminho andando para que estas não fiquem bem feitas.

Para que seja possível uma entrega total é necessário que exista conhecimento de causa, que saibamos para onde caminhamos, com que propósito, e que possamos confiar em quem nos conduz – confiar no líder.

Refletir – Um luxo que está ao alcance de todos

Coragem é o que precisamos para entrar em 2022. Continuamos num clima de incerteza e a aprender, todos os dias, que não devemos dar nada por garantido. Mas isso não é necessariamente mau. Nunca foi tão importante transformar as nossas fragilidades no seu contrário e desenvolver a capacidade de resiliência para lidar com um futuro incerto.

Não é possível redigir como que um guia com a decisão X que devemos tomar quando confrontados com dilema Y. Isto porque, consoante as fases em que nos encontramos, temos objetivos diferentes.

No entanto, a pressão social faz-nos pensar exatamente o contrário. Há como que um caminho pré-definido que todos devemos seguir rumo ao “sucesso” e há, inclusive, datas (ou idades) mais ou menos definidas para cada etapa.

Dá jeito, de quando em vez, recordar alguns clichés que, apesar de gastos, têm o seu sentido. O de que só se vive uma vez é, talvez, um dos melhores exemplos. Quantas são as vezes que não damos efetivamente conta de o tempo passar e, quando olhamos para trás, ficou tanto por fazer. Aquela viagem descontraída antes de ter filhos, aquele voluntariado antes de ter tantas contas para pagar, quando ainda tinha tempo para isso.

A única maneira de perceber se nos encontramos no caminho certo, naquele que efetivamente queremos seguir, é parar e refletir. Confiar novamente no processo de encontrar o que, naquele momento da vida, nos faz sentido.

Ter presente de que é precisamente nos momentos em que nos sentimos mais pressionados a agir depressa que devemos parar e respirar fundo para conseguirmos ter diversas perspetivas sobre o caminho que nos espera.

Aquilo que nos parece certo num determinado momento da vida, pode não fazer sentido noutro. Assim, quando sentir a necessidade de ir mais rápido, abrande. Siga a velha máxima do Golfe: “vamos devagar porque temos pressa”.