João: Bom dia, estás bem? Lembrei-me de ti e de perguntar como está tudo aí por casa… os miúdos?

Joana, dois dias depois: Olá. Desculpa por responder dois dias depois :). Está tudo bem, obrigada, e por aí? Quando nos vemos?

João, uma semana depois: Olha, agora fui eu que te deixei pendurada. Desculpa, mas ando cheio de trabalho e não consigo estar atento aqui ao WhatsApp. Comigo também está tudo bem. Faço anos amanhã, queres juntar-te para uns copos a seguir ao trabalho?

Joana, três dias depois: João, descuuuulpa! Pensei mesmo que te tinha respondido a isto! Que vergonha. Devo ter escrito e não carreguei em “enviar” ou apaguei por qualquer razão. De qualquer modo, queria ter-te dito que já tinha o jantar de aniversário do meu sogro nesse dia e não me podia juntar :/ Mas quando tiveres um tempinho outra vez diz, sim!?

Quantas conversas semelhantes a esta não tem regularmente? Em que recebe/envia uma mensagem que é retribuída dias depois, sempre acompanhada de uma desculpa por não ter sido enviada mais cedo e com uma nota de esquecimento por razão A ou B.

Ou quantas vezes já deu por si a conduzir sem se aperceber de que está a fazer determinado caminho? Perder as chaves de casa e nem sequer se lembrar dos lugares por onde passou para voltar atrás e procurar? Ficar de ligar a uma pessoa por um assunto importante e nunca mais o fazer?

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Todas estas situações e muitas outras semelhantes podem acontecer por várias razões, claro está. Uma noite mal dormida, acumulação de stress e cansaço, nervosismo com um trabalho a entregar, entre tantas outras. Mas acontecem, na grande maioria das vezes, pelo simples facto de não estarmos atentos. De não termos sequer de estar.

Nunca como hoje existiram tantas soluções que apoiem a nossa desatenção: notificações e lembretes no telemóvel, ferramentas de gestão de tempo, etiquetas-que-se-colam-em-objectos-para-os-encontrarmos-quando-se-perdem, chips e números de tracking, etc.

Todas estas soluções tecnológicas (que são muito úteis para muitos de nós) acabam por literalmente hackear a nossa vida real. Entram e, sem darmos conta, retiram-nos as competências mais cruciais que garantem em última análise a nossa sobrevivência: a capacidade de estar alerta e a atenção que damos uns aos outros.

O ritmo frenético da sociedade ocidental, acrescido dos estímulos a que estamos sujeitos e que nos bombardeiam de todo o lado, promovem precisamente esta desatenção. Torna-se difícil, por vezes impossível, manter o foco no que realmente interessa. E é por isso que afirmo que, em pleno séc. XXI, estar atento é uma arte.

A arte da atenção

As artes marciais japonesas têm uma técnica em comum chamada de Zanshin. Tecnicamente, este termo está relacionado com a postura do corpo durante a execução de um determinado exercício. Mas o Zanshin é mais do que isso. Pressupõe a adopção de uma correcta postura corporal num determinado momento e muito para além dele. Exige que a postura seja algo trabalhado no seu sentido mais lato, numa atitude perante a vida.

Trata-se de uma filosofia que está intrinsecamente ligada com o estado da mente e que remete para um sentido de alerta, mais ou menos activo, que nos permite estar acordados e conscientes do que se passa à nossa volta. É, por isso, considerada a arte da atenção.

Um artigo sobre esta temática da autoria de James Clear relata como o professor Herrigel, praticante de tiro ao alvo, consegue acertar no alvo mesmo sem o ver (estando escuro ou de olhos vendados).

Impressionado com tal feito, o aluno questiona-se como é isso possível e o professor, em vez de ensinar sobre a técnica do tiro em si, ensina sobre a importância de assumir uma correcta postura corporal, de controlar a respiração e trabalhar a concentração. Resumidamente, explica-lhe a importância do processo, em vez do simples foco no resultado. Acertar é o efeito colateral de um lançamento bem executado.

Não se trata de magia ou superpoderes mas antes de treino e foco. As coisas mais incríveis são possíveis de alcançar quando temos bem presente os nossos objectivos e quando sabemos o que é necessário para chegar lá.

Semana de quatro dias ou de cinco dias de trabalho

Em que é que a discussão da semana de quatro dias de trabalho está relacionada com a filosofia japonesa? Em tudo!

Aprendemos com a filosofia Zanshin que o modo como encaramos as tarefas é o que determina o seu resultado e que todos os pormenores importam – a motivação que temos perante determinada tarefa, a forma como a levamos a cabo, como a planeamos, etc.

Tendo esta teoria presente, podemos encarar a recente discussão sobre a semana de quatro dias de trabalho de forma muito prática: é indiferente o caminho que percorremos – leia-se, o número de dias que trabalhamos – desde que o objetivo seja cumprido da forma como o levamos a cabo – leia-se, que as tarefas estejam cumpridas da forma como são esperadas.

Vivemos num mundo obcecado com resultados e com processos standard que, mesmo sendo completamente obsoletos, nos são impostos. Frequentemente digo aos meus clientes “ainda estão aí?!”

Focamos demasiado no sucesso ou insucesso, ignorando o caminho, as emoções e aquilo que é apreendido durante o mesmo. Tal como percebemos na filosofia Zanshin, também na prática do nosso dia-a-dia o resultado deve ser visto como um efeito colateral do que fomos capazes de executar durante o processo.

Num exercício de retrospetiva a que vos desafio, apostaria que quase todos temos uma coisa em comum: salvo raras exceções, os sucessos que conseguimos na vida não foram porque melhorámos algo em que somos menos fortes. Foi porque descobrimos e conquistámos espaço para exercer aquilo onde somos realmente bons.

Para que isso seja possível, é necessário estarmos plenamente conscientes de tudo o que está envolvido no dito processo. É necessário um estado de alerta do corpo e da mente que pressupõe um grande controlo interno.

Viver a vida intencionalmente e agir com propósito em vez de cair na vitimização de que tudo nos acontece sem perceber porquê. para chegar atrasado ou mesmo para não comparecer; para adiar o café ou não responder à mensagem.

Como aquele menino que diz à professora:

– Cuidado, que o meu pai disse que se eu tirasse negativa alguém ia levar no focinho…

Não se trata de o menino não ter estudado. O professor é que é demasiado exigente. Um clássico.

O Nadal, um dia, ainda miúdo, estava a perder e foram chamar o treinador ao bar. O tio reparou que ele, desabituado de perder, tinha a raquete partida mas estava a tentar ganhar na mesma, sem desculpas.

O Michael Shumacher, em criança, não tinha dinheiro e corria em karts com pneus usados que os outros deitavam fora. Resultado? O processo dotou-o com sentido de responsabilidade e aumentou a sua capacidade de adaptação e resiliência.

Eficiente ou eficaz? A regra de Pareto

Como diria o pensador e consultor austríaco Peter Drucker, especializado nos assuntos da gestão pessoal e empresarial, não há nada mais inútil do que fazer de forma eficiente o que não devia ser feito de todo – “There is nothing so useless as doing efficiently that which should not be done at all.

Os mestres japoneses Zanshin defendem que devemos ser eficazes em vez de sermos eficientes. Isto é o mesmo que dizer que, em vez de conseguirmos fazer cada vez mais coisas com menos, devemos conseguir fazer as coisas certas. Interessa ser produtivo a fazer as coisas certas e não desperdiçar tempo ou energia nas que não acrescentam valor a nada ou ninguém.

Mas como fazer isto na prática?

Utilizando o princípio de Pareto ou a regra dos 80/20. O princípio é fácil de compreender: devemos focar num menor número de coisas que, por sua vez, trazem mais vantagens e/ou benefícios. Por outras palavras, o foco em 20% dos nossos superpoderes gera 80% dos nossos resultados.

Recorrendo a este princípio, conseguimos separar o que é realmente importante do que é complementar e esta regra aplica-se a todas as dimensões da nossa vida: da pessoal à profissional, passando por ser uma estratégia útil aos próprios negócios – perceber quais são os 80% que trazem maior retorno e alocar os esforços a essa maioria.

Voltando à analogia com as artes marciais, onde este princípio é amplamente aplicado, podemos encontrá-lo em aplicação no Judo: uma vez encontrada a área certa do corpo onde aplicar a pressão, obtêm-se melhores resultados com menor esforço.

Com exceção das fatalidades (acidentes, morte, catástrofes, entre outras), podemos afirmar que é a nossa atitude que determina se as coisas nos correm bem ou mal. Uma atitude de resistência, desmotivação, aborrecimento ou desconcentração é a maior inimiga do progresso. Mais do que o falhanço em si, é a atitude que determina este resultado. Citando um velho marinheiro “nós não estamos no trânsito, nós somos o trânsito”.

Não há dúvidas de que o inimigo do progresso é a falta de compromisso com o processo em si. Para evitar isso, é crucial viver em alerta e em consciência mesmo quando consideramos que o nosso objetivo está cumprido. Zanshin.