Há uma nova forma de sucesso que é, ao mesmo tempo, o remédio para todos os problemas: dizer mal. Liberta endorfinas, reduz a ansiedade, aumenta o bem-estar e é recomendado para todas as idades. Pode ser utilizado em batizados, reuniões de trabalho, convívios com os amigos ou no conforto da habitação. Dizer mal tem alavancado carreiras profissionais e políticas. É a melhor forma de colocar o centro das atenções longe e as comparações se nivelarem por baixo. Estamos num país em que o programa mais visto é um humorista a dizer mal de certos políticos e um governo subsiste a dizer mal de outro que lá esteve há dez anos.

Os portugueses reúnem-se no café para dizer mal do árbitro e nas organizações políticas para dizer mal dos adversários internos ou externos. Não interessa a racionalidade, se é verdade ou não, ou que o visado saiba. Aliás o melhor mexerico é aquele nunca pode ser contraditado. Para se dizer mal não é preciso inteligência ou astúcia, basta abrir a boca e deixar sair o que está no intestino grosso.

A grande vantagem de dizer mal é que não se concorda realmente com coisa nenhuma. O que acontece é que se concorda em se discordar, ou seja, em se ser do contra. Concordar significa estar em harmonia, pactuar ou ser a favor, algo que só os fanáticos e os idiotas fazem. Até porque para se ser a favor é preciso estar informado, observar a perspetiva de ambos os lados e refletir sobre as conclusões. Isto tudo é uma canseira brutal. Sobretudo porque para se ser a favor é preciso pensar, que é a última coisa que as pessoas se podem dar ao luxo de fazer. “Hoje estás muito pensativo” aparece hoje como um alerta: ou te deixas disso ou vais parar a um psiquiatra com comprimidos da felicidade, até voltares a comportar-te como o resto da gente. Se alguém te perguntar, “porque é que estás aí tão calado?” – nunca, mas nunca, digas que estás a pensar. Nem no trabalho, porque toda a gente sabe que fazer de conta que se está ocupado é a primeira e única mestria que todo o empregado deve conhecer bem; nem em casa, porque se dizes que estás a pensar é porque certamente arranjaste outra e tens um plano de fuga preparado. “Estive a pensar” são as palavras mais aterradoras da língua portuguesa e o prelúdio de uma conversa que vais desejar nunca ter tido: estás prestes a ser despedido do emprego ou dispensado do relacionamento.

Por isso, para quê pensar quando podemos simplesmente ir na maré? Para defender uma ideologia ou um modo de vida, basta simplesmente odiar o seu oposto. Caso ainda não tenham percebido, a esquerda já ganhou irreversivelmente a guerra dos costumes e foi porque perceberam primeiro que as pessoas não querem pensar. “Sou a favor da justiça social, defendo a liberdade, protejo o planeta e os direitos humanos” – não é possível ser-se mais vago do que isto, mas foi assim que a esquerda derrotou uma civilização milenar assente em valores judaico-cristãos e na elevação da individualidade humana. Se alguém for a favor daqueles quatro princípios é de esquerda e deverá ter um ódio mortal à direita – e esta é a parte mais fácil, ser do contra, dizer mal. Os historiadores do futuro, se forem mais que os propagandistas da atualidade, vão contar como foram as quedas da antiguidade clássica e do império romano, à custa de milhares de batalhas que deixaram a terra vermelha de sangue. E como no virar do milénio caiu a civilização ocidental, sem estrondo e sem pensar nisso – ou em qualquer outra coisa. “Penso, logo existo” foi uma das bases do pensamento ocidental e da ciência moderna. Hoje é “penso amanhã nisto” porque para se existir é preciso somente pagar impostos e estar nas redes sociais. Questionar é para negacionistas, a liberdade é ter uma casa de banho mista e a vida é suportável enquanto pudermos dizer mal.

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