No nosso sistema educativo, nas últimas quatro décadas, não faltaram tentativas de incluir no currículo nacional áreas transversais de desenvolvimento pessoal, educação para a cidadania, projectos interdisciplinares de promoção de valores educacionais gerais ou, mais recentemente, a criação de uma Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania (ENEC), definida no Despacho n.º 6173/2016, de 10 de Maio. No enunciado oficial, “a ENEC constituiu-se como um documento de referência a ser implementado, no ano letivo de 2017/2018, nas escolas públicas e privadas que integraram o Projeto de Autonomia e Flexibilidade Curricular (PACF), em convergência com o Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória e com as Aprendizagens Essenciais.” Entendo que não faltam bons textos oficiais para defender áreas transversais ao currículo ao longo da história legislativa recente e a nova área transdisciplinar de Cidadania e Desenvolvimento também tem uma boa revisão da literatura a defendê-la.

Outra realidade bem diferente é o grau de execução destas áreas marginais ao currículo ou interpretadas como tal. Os intérpretes e executores principais serão sempre os docentes, quaisquer docentes, como assumido pelas tutelas até hoje. Não se prepararam os docentes para ensinar ética, cidadania ou desenvolvimento, porque sempre se pressupôs que não é necessária qualquer preparação prévia para tal conhecimento, que é da responsabilidade de todos. Contudo, os docentes-intérpretes sempre alinharam a contragosto nestas disciplinas de ninguém e de todos. Não tendo sido preparados para as leccionar, também nunca sentiram especial motivação para as trabalhar em aulas específicas, que têm servido sobretudo para completar horários e preencher lacunas de algumas carreiras sobrecarregadas. Os projectos de escola sempre fizeram a sua integração sem alaridos nem inadequações no papel, porém a sua execução pedagógica e científica e os resultados obtidos foram sempre subestimados. Se consultarmos hoje os PAFCs de muitas escolas, ficaremos com a percepção de que todos entendem o que é necessário fazer, todos descrevem temas urgentes a tratar, todos sabem exactamente o que cada aluno deve saber sobre valores humanos e sociais, mas falta, sem surpresa, avaliar o que realmente se está a ensinar, como se está a ensinar e o que é que os alunos de hoje adquirem como sua formação ética essencial.

A escola de hoje (incluindo as universidades que também são escolas) não é a mesma de há 10 ou 20 anos atrás. Os estudantes de hoje relacionam-se com os professores de forma diferente, vulgarizaram as formas de tratamento, interpelam-nos sem respeito, passam por eles e ignoram-nos, não lhes reconhecem outra autoridade que não seja a científica, desconhecem as regras de respeito mútuo entre todos os membros da comunidade escolar, riem-se de qualquer tentativa de imposição de um código de conduta na sala de aula e na escola, e de cidadania sabem toda a teoria porque sabem em igual medida que nunca praticarão o que se tenta ensinar. Neste contexto, os actuais professores de Cidadania e Desenvolvimento podem ter muita literatura à sua disposição, podem ter toda a resiliência do mundo para ensinar qualquer dos muitos temas propostos, mas falta-lhes a motivação profissional que se adquire com formação específica prévia para quem se sente vocacionado para essa função específica.

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