A saúde é habitualmente definida como um estado de completo bem-estar físico, mental, social e existencial e não apenas pela ausência de doença ou enfermidade. É um conceito com que facilmente nos identificamos, ainda que não tão facilmente compreendido. Inclui uma visão ampla da saúde que, apesar de atraente, pode ser difícil de alcançar. Na prática conseguimos ter saúde, apesar das doenças e dos problemas com que nos confrontamos no dia-a-dia e que vamos relativizando na nossa contínua capacidade de adaptação.

Aceitando o princípio, falar do coletivo não será muito diferente. Um sistema de saúde tem de ser global na forma como se orienta para as pessoas, como lhes confere o necessário acesso, como as acompanha ao longo do tempo e como as ajuda a encontrar os seus próprios percursos.

Infelizmente, percebemos muitas vezes que o sistema se centra mais em si próprio, orientando-se para os problemas que identifica na sua esfera de atuação. Cria ou mantém serviços e processos desatualizados que não atendem às necessidades atuais das pessoas, com objetivos desfasados da realidade e define estratégias que se transformam elas próprias em metas, sem um impacto real.

E sobretudo vemos um sistema paternalista, onde os resultados, mais explicativos do que resolutivos, são valorizados na medida em que se autoimpõem.

O que nos interessa ter resolvido a lista de espera da cirurgia se os doentes foram todos chamados em cima da hora e por impossibilidade de agenda tiveram de recusar um tratamento que deveria simplesmente ter sido agendado em tempo útil?

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Ou como se condiciona o acesso aos serviços de urgência sem criar a montante e a jusante as condições para oferecer o atendimento mais adequado a cada situação?

Ou para que serve a integração estrutural das unidades locais se os serviços continuam a recusar a referenciação com base em questiúnculas organizacionais?

Temos uma rede de cuidados continuados que serve os internamentos sociais, mas não a sociedade, temos cuidados primários assoberbados pela obsessão de atribuir médico aos cidadãos sem atender às tarefas específicas, temos uma acessibilidade deficiente nos serviços públicos que obriga as famílias a complementar o seu plano de saúde nos sistemas privados, temos duplicação de serviços hospitalares sem enquadramento nas necessidades locorregionais nem organização interinstitucional efetiva, entre muitos outros aspetos que obrigam a um olhar diferente para a saúde.

Num contexto de envelhecimento populacional, de baixa natalidade, de aumento generalizado do stress, com ansiedade e depressão associadas, do aumento da obesidade e das doenças crónicas não transmissíveis, da presença de fatores ambientais adversos como a poluição e a seca prolongada e da pressão financeira sobre os custos da saúde interessa agir em vez de reagir, reformar em vez de remendar, construir em vez de consertar.

Precisamos de atender à situação, prever metas a curto, médio e longo prazo e ser coerentes na sua planificação, decisão e implementação. E para isso, precisamos de ser rigorosos na avaliação, metódicos na análise, inovadores na solução e éticos no exercício.

Há dois aspetos que sobressaem.

Em primeiro lugar, a excelência que é a busca pela qualidade e que depende de aplicar em cada momento a melhor evidência cientificamente determinada, filtrada pela experiência dos profissionais e das instituições, e pelos valores, ideias e expectativas das pessoas. Esta medicina baseada na evidência percebe os custos de funcionamento como investimento e é geradora de valor. Pessoas saudáveis são mais produtivas e mais felizes, num retorno significativo dos recursos investidos. Centra-se na pessoa e nas suas necessidades de saúde e desafia os perfis profissionais a encontrar formas colaborativas para a ação, complementando-se nas funções em que cada um se diferencia seja a nível clínico, administrativo ou de gestão.

O outro aspeto remete-nos para responsabilidade individual. Aceitamos que a saúde é um direito universal de cidadania que depende fundamentalmente do dever de a defender e promover. No entanto, facilmente nos tentamos na realização da prerrogativa e nos esquecemos da obrigação que lhe está inerente. Na realidade, o principal agente da saúde é a própria pessoa nas opções que faz ao longo da vida, nos estilos de vida que prefere, na forma como utiliza os serviços de saúde, na opção da adesão aos processos de diagnóstico e aos tratamentos, e na exigência que coloca aos sistemas organizacionais públicos ou privados.

Chamamos-lhe literacia e corresponde à capacidade de obter, processar e entender informação básica sobre saúde e sobre os serviços disponíveis para poder tomar em liberdade a melhor opção. Se alguém não soubesse que o tabaco é responsável por 14% da mortalidade mundial, representando quase 8 milhões de mortes em 2019, poderia ser tentado a iniciar ou manter o hábito de fumar. Mas estes dados são reais e continuamos a ter mais de 1 bilião de pessoas a fumar de forma regular.

Não basta, portanto, saber, é necessário ativar este conhecimento em atitudes e competências perante a saúde. E aqui todos somos chamados à ação. Os profissionais de saúde e os serviços onde exercem têm naturalmente um papel relevante enquanto portadores de informação fidedigna e útil, mas não são os únicos atores neste palco. Precisamos envolver toda a sociedade na promoção da saúde, incluindo ações em áreas como educação, trabalho, justiça, segurança e até mesmo em nossas casas. Todos temos o direito à saúde, mas também a responsabilidade de a promover e defender. Esta ação concertada no combate ao tabagismo condicionou uma diminuição do número de fumadores e da carga tabágica total na Europa, com impacto já visível na prevalência de doença cardiovascular e respiratória.

Em 2023, foi lançado o prémio TOP Health Awards que reconhece a importância da inovação e das boas práticas do setor da saúde, alicerçadas na colaboração entre diferentes áreas e agentes, para a promoção de desenvolvimento na saúde. Na primeira edição, concorreram mais de 150 candidaturas nas quatro categorias de Literacia em Saúde, Integração de Cuidados de Saúde, Tecnologia e Dados ao Serviço da Saúde e Sustentabilidade Social, num exemplo de dinamismo do setor para fazer face aos desafios presentes e futuros, criando valor em saúde e contribuindo para melhores resultados.

Inovar significa compreender o contexto atual, nas suas forças e ineficiências, e adaptar estruturas e processos para melhorar os resultados em saúde. Queremos um sistema de saúde verdadeiramente orientado para o cidadão, onde pessoas e profissionais de todas as áreas atuem colaborativamente, ajustando ações ao mundo real, e inovando na resolução de problemas concretos. É fundamental avaliar os resultados por meio de indicadores objetivos de qualidade, capazes de medir ganhos reais em saúde, para um futuro com mais anos de vida, maior funcionalidade e melhor qualidade de vida dos indivíduos e da comunidade, num sistema de saúde verdadeiramente eficaz, sustentável e inclusivo.