Tenho muito orgulho no desenvolvimento da Psicologia ao longo dos últimos anos. Comecei a trabalhar como psicólogo em 1997, sendo que na altura entrei numa profissão quase desconhecida e muito pouco implantada no nosso país. Existiriam uns dois mil psicólogos no país e o trabalho ao nível público resumia-se, no seu essencial, à toxicodependência e à intervenção com crianças, ligada ao Ministério da Justiça. Acabei a minha licenciatura e tinha o desemprego à espera. Não conformado, procurei um estágio voluntário. Sim, nessa altura fazer um estágio voluntário não só era uma coisa boa, como era difícil de encontrar. Nem um psicólogo trabalhava nos cuidados de saúde primários. Contavam-se pelos dedos, aqueles que exerciam em hospitais, nas escolas nem se pensava nisso e nas organizações nem se sabia para que serviam.

Em cerca de 20 anos, tudo mudou. Existem hoje em Portugal mais de 23 mil psicólogos, os seus contextos de trabalho são transversais à sociedade portuguesa e não gostamos de estágios voluntários. Poderemos argumentar, e bem, que ainda não existe um número desejável, até porque, com a crescente importância da profissão, as necessidades de psicólogos aumentam. Mais e mais pessoas recorrem à Psicologia, mais e mais profissionais sentem a necessidade de referenciar para a Psicologia. A profissão organizou-se através da criação da Ordem e já criou três especialidades e 12 especialidades avançadas. Aumentaram as suas necessidades formativas e deu-se início à autonomização dos psicólogos nos mais diversos serviços. O reconhecimento da Psicologia portuguesa internacionalmente é marcante, sendo que a liderança da maior associação de psicólogos da Europa já foi de um Português, eleito pelos seus pares. E, se no passado confundiam os psicólogos com psiquiatras, hoje existe um séquito de pessoas com as mais variadas denominações que se pretende fazer confundir com psicólogos, torneando a proteção hoje existente do título de psicólogo, para tentarem, com menor formação, beneficiar comercialmente do bom nome da Psicologia. Somos, por isso, já vítimas do nosso próprio sucesso.

É incomparável a visibilidade da Psicologia hoje com o que acontecia há 20 ou, até, há 10 anos atrás. Veja-se a quantidade de vezes que ouvimos e vemos psicólogos na comunicação social. E não apenas dois ou três, mas muitos, mais conhecidos ou menos conhecidos, um sinal de confiança numa classe profissional. Ainda agora, durante a pandemia, os psicólogos foram a classe profissional que mais foi chamada a dar a sua opinião nos media, com a exceção lógica dos médicos intensivistas, virologistas e epidemiologistas. Os psicólogos escrevem, hoje, artigos na imprensa com uma cada vez maior frequência. E fazem-no porque são psicólogos, beneficiando do crédito que a nossa profissão tem vindo a granjear.

Menos se compreende, por isso, quando um colega, beneficiando do bom nome da Psicologia, vem publicar um artigo de opinião neste mesmo órgão de informação, onde faz afirmações que, no mínimo, mostram ignorância ou falta de rigor. Nem me refiro ao desconhecimento de tantas e tantas iniciativas desenvolvidas pela Ordem dos Psicólogos Portugueses, que para além de promoverem a literacia das pessoas sobre a Intervenção Psicológica, ainda foram peças chave para ajudar os próprios psicólogos e outros profissionais e que foram tanto e tão divulgadas nas redes sociais e na comunicação social. Arrisco dizer, que nunca tanto se terá comunicado sobre Psicologia e saúde psicológica em Portugal. Todo o país o reconhecerá, excepto, pelos vistos, um ou outro colega.

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Agora, escrever que a Ordem dos Psicólogos está fora do Programa Nacional de Saúde Mental, quando não existe participação das ordens no programa (que ordem participa?) e tantas reuniões foram feitas com a equipa que o coordena, trabalhando-se em conjunto, criticando, ouvindo e contribuindo. E das reuniões no INFARMED, que ordem participa, se nenhuma ordem está presente nessas reuniões, antes num fórum, criado para acompanhamento da situação entre o Ministério da Saúde, a Direcção Geral da Saúde e as ordens profissionais da área da saúde, que tem regularmente reunido com participação ativa da OPP.

Escrever ainda que o Conselho Nacional de Saúde Mental não tem um representante eleito para os órgãos da Ordem? Desconhece o colega, ou não quer saber, que existem, não um, mas dois elementos nesse Conselho, e que um deles é uma das vice-presidentes da Ordem. Porventura, faz confusão com o Conselho Nacional de Saúde, cujo representante da Ordem é o presidente do Conselho Nacional de Psicologia. Sim, também aí a Ordem dos Psicólogos está representada. E deve ainda o colega desconhecer, que a Ordem dos Psicólogos passou também a nomear um representante seu para o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, algo que exigiu uma mudança legislativa com a natural complexidade inerente, ou que a Ordem representa hoje o Conselho Nacional das Ordens Profissionais no Conselho Nacional da Educação e na Comissão Técnica de Acompanhamento do POCH, áreas fundamentais relativas à intervenção dos psicólogos, por exemplo, em contexto escolar.

Felizmente, o país reconhece cada vez mais a Psicologia. Felizmente, o país utiliza cada vez mais uma linguagem da Psicologia, como é exemplo o termo “saúde psicológica” quando a referência é o trabalho dos psicólogos. Agora, é preciso que nós, os psicólogos, não sejamos os primeiros a, publicamente, tentar desvalorizar os psicólogos com objetivos que seguramente não passam pelo melhor interesse desses mesmos psicólogos. A mobilização da Psicologia faz-se construindo, não tentando desvalorizar. A mobilização da Psicologia faz-se colaborando, não boicotando. A mobilização da Psicologia faz-se a partir da promoção da sua identidade, dando a conhecer o que fazemos, como fazemos e porque fazemos.

Miguel Ricou escreve este artigo na condição de Mandatário Nacional da lista B, candidata às eleições da Ordem dos Psicólogos e liderada por Francisco Miranda Rodrigues, atual bastonário. É ainda candidato a Presidente do Conselho de Especialidade de Psicologia Clínica e da Saúde.