Um esperado pacote de reação à inflação revelou-se uma desilusão nas medidas, de um Governo que ainda ilude ter soluções. Medidas limitadas, não transformadoras, mas bem propagandeadas. Aos poucos, parece que vamos passando de uma economia de mercado para uma economia cada vez mais regulada. Continuamos numa situação de esbulho fiscal e sem medidas corajosas e transformadoras, que cheguem sobretudo a quem mais precise e que consiga tirar o país do lodo para onde nos estão a arrastar. Políticas sem soluções, mas cheias de ilusionismo.

Das medidas mais esperadas, o “IVA eletricidade” revelou-se dos maiores ilusionismos. Percecionado como se fosse uma baixa em geral, na prática abrange apenas uma pequena parte da fatura doméstica. Grosso modo, o funcionamento do IVA é de taxação a 13% até aos 100kwh e 23% acima; a mudança será de 13% para 6%, mantendo-se o patamar de 23% para todos os outros casos. Veja-se o impacto irrisórios nas faturas – as famílias vão poupar muito pouco. Repare-se que este Governo votou contra a baixa de IVA (eletricidade, gás e recusou baixa fiscal de energia em geral) e escudou-se numa autorização europeia que afinal já estava concedida.

Foi também anunciado o “cheque” de 125 euros. Se compararmos com um rendimento anual pago em 14 meses, significa menos de 10 euros por mês. Uma decente baixa de impostos seria uma medida mais duradoura e significativa e, do ponto de vista de medidas anti-inflacionistas, mais coerente. O valor por criança não estar associada ao rendimento deixa algumas perplexidades.

Outro dos logros é o mecanismo das pensões. Propagandeado como “uma antecipação” (ou seja, uma vantagem para os pensionistas), na prática o Governo conseguiu sugerir uma atualização para 2023 inferior à da fórmula legal. Uma política de austeridade e de travão nas pensões, e onde se aproveita a iliteracia económica de uns e a falta de coragem de denúncia dos outros. Mas há outro problema: a atualização tem uma fórmula legal de atualização, cuja altura de conhecer os indicadores ainda não chegou, mas já está anunciado. Uma medida anunciada como ganho, quando é, goste-se ou não das palavras e da medida, uma “medida de austeridade” encapotada. Com o caminho que faz de redução real das pensões, o Governo até poderia explicar que está a tentar contribuir para a não falência da Segurança Social, mas não está a ser claro nesse anúncio. Era importante que se percebesse o que está efetivamente em cima da mesa.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

As perplexidades continuam. O Governo parece estar a ficar agora a começar um novo vicio que é o da regulação de preços. A limitação das rendas é mais um exemplo. Para além das distorções e insegurança em relação a investimentos, num mercado que precisa de maios oferta e dinamismo, acrescerá a complexidade de mecanismos de compensação.  O Governo não só não sabe fazer bem, também não sabe fazer de forma simples.

Sobre a tibieza pode-se dar uma ordem de grandeza. Um plano de 2400 milhões de euros, que não chega a metade das receitas extraordinárias deste ano em impostos, ou nem sequer à totalidade do valor gasto na TAP.

Não podemos descontextualizar a análise das medidas do que pode ser feito economicamente em contexto de inflação. As medidas disponíveis aos governos passam por aumento de despesa – medidas que são pro-cíclicas, desvantajosas para o combate à inflação e que aquecem a economia, mas que surgem em diversos casos como uma opção para pessoas com rendimentos baixos. É uma altura para políticas de redução de dívida pública. Outras opções passam por reduções fiscais, que repõem poder de compra e que arrefecem o consumo público. São medidas mais adequadas do que, por exemplo, aumentar despesa.

Mas este governo falha não apenas nestas medidas básicas de controlo da inflação. Falha porque não tem na sua política governamental um projeto de viabilidade do país e combate estrutural à subida dos preços. Não há medidas para aumento de produção e diversificação energética, políticas fiscais de redução de preço, apoio ao crescimento no sector primário – isto só para citar exemplos. Porque de um Governo se espera uma atuação em toda a frente, dever-se-ia estar a atuar sobre a expansão da oferta agregada, componente que parece estar totalmente ausente da política. E isso, do ponto de vista de produtor de políticas públicas, escolha concreta das medidas, e pela falta de visão é deveras preocupante.

Com este pacote de medidas não se chega a sério a quem precisa, as medidas fiscais são um mundo de tibieza e não se vislumbra uma visão para o país. Há muito a fazer. Das políticas alternativas, a desmontar os logros. Familias primeiro? Pelos vistos, não.