Vivemos tempos de incerteza. Uma pandemia que teima em não nos abandonar, uma tensão militar no leste europeu que ameaça a serenidade comunitária, um inverno que não nos traz a tão ansiada chuva para nos tirar desta seca que caminha a largos passos para se tornar severa. Contudo, uma aparentemente imunidade de grupo ou uma ou outra medida restritiva poderão atenuar pandemias e ameaças militares; já o facto de São Pedro não ser colaborante terá um impacto porventura irreversível na agricultura nacional.

São inúmeras as vozes que alertam para o atual problema meteorológico em que nos encontramos, que se arrasta desde o início do outono. Desde a Direção Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural, que pretende ativar planos de contingência para mitigar os impactos desta recente escassez, ao Instituto do Mar e da Atmosfera que alerta para o potencial agravamento da atual seca moderada caso não chova nas próximas semanas, até às Associações de Produtores que temem pelo seu sustento, todos dão nota de preocupação. Consciente deste cenário, a Comissão Permanente de Prevenção, Monitorização e Acompanhamento dos Efeitos da Seca decidiu, de forma a aumentar o armazenamento, interditar a produção de hidroeletricidade em algumas barragens a norte, e cessar a utilização de água para rega na albufeira de Bravura. Alguns dirão que tudo se resolverá (abril, águas mil); porém, segundo o estudo da Agência Portuguesa do Ambiente, que apontou à avaliação das disponibilidades hídricas atuais e futuras, estamos apenas a prosseguir um caminho que nos levará a níveis de escassez cada vez mais vincados.

Não discordo da tomada de posição em reduzir (em alguns casos) o consumo de água. Mas preocupa-me o facto de esta ser apenas uma medida pontual que em pouco (para não dizer em nada) irá mudar a realidade em que vivemos, parecendo que não aprendemos com as vicissitudes.

A seca é, e será sempre, uma preocupação. A nossa realidade climática é propícia a regimes de escassez que, em ocasiões mais extremas, caminham para o cenário que hoje enfrentamos. Sem água não há vida… nem agricultura. E sem agricultura também não há vida. Sem água a rentabilidade da agricultura nacional cai vertiginosamente, tornando-se insustentável a produção agropecuária. Sem água vemos aumentar o abandono da terra e a desertificação. Sem água não há alimentos. Apesar da pressão do nosso clima, em que a demanda de água do mosaico agroflorestal é largamente superior à precipitação, temos sobrevivido. Mas nada dura para sempre. O aumento previsto da temperatura em conjunto com uma redução da precipitação, torna todo o cenário com certeza ainda mais gravoso.

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Mas nada disto é novidade… É consensual que as bacias hidrográficas a sul do Tejo apresentam, na sua maioria, uma escassez de água. E é nestas regiões que cada vez mais ouvimos falar de seca. Mas é também ali que é gerada mais de 40% da produção nacional. Escusado será dizer que sem água, este produção ficará comprometida. E, perdoem-me a franqueza, não é com rateios ou limitações ao consumo que damos a volta a este panorama.

Falta-nos água? Falta. Mas como em tudo na vida há solução. Há quem acredite que “não vale a pena multiplicar barragens quando não há água, porque é mesmo um problema que não se resolve construindo barragens”. Mas se a água que temos não chega, há que procurar outras fontes de abastecimento. Podemos reutilizar águas residuais tratadas ou dessalinizar a água do mar. Mas a escala, o investimento e o custo de operação podem não evitar a tão indesejada desertificação e abandono dos espaços rurais.

Façamos então a (eterna) pergunta: fazem falta ou não (mais) barragens?

A necessidade de armazenamento não é de hoje. A construção de barragens remonta ao quarto milénio a. C. quando em Jawa, na Jordânia, foi construída uma pequena barragem para abastecimento das populações. As civilizações que se seguiram, em especial as que se desenvolveram em zonas áridas e semiáridas, reconheceram a necessidade de construção de barragens para criar albufeiras que garantissem o abastecimento das populações, dos campos agrícolas e da pecuária, mas também para proteção contra cheias e para retenção de sedimentos. A presença do Império Romano em Portugal obrigou à construção de barragens que, para conviver com os regimes de precipitação irregulares, serviram as populações e/ou a rega das suas culturas. Avancemos 2000 anos e pouco mudou. Hoje as barragens continuam a prestar-nos um serviço incalculável, garantindo o abastecimento das cidades, a produção de energia verde e a sustentabilidade da produção de alimentos.

As barragens criam riqueza e bem-estar, contribuindo para um desenvolvimento socioeconómico sustentado do território e para a fixação de populações. Minimizam os impactos edafoclimáticos limitantes ao crescimento produtivo. Contribuem para a competitividade da agricultura nacional e para o equilíbrio da balança agroalimentar. As barragens podem também contribuir, se devidamente projetadas e geridas, para uma melhoria da biodiversidade, assegurando um regime de caudais ecológicos e ambientais. Estas infraestruturas ajudam no combate à desertificação e ao despovoamento, aumentando a nossa resiliência face às secas e à escassez de água. Mas não é só a agricultura que ganha com estas obras; elas permitem o desenvolvimento sociocultural, o controlo de cheias, o combate a incêndios rurais e florestais, e, não de somenos, o abastecimento de água às populações, tornando o território menos vulnerável.

Temos que procurar forma de ampliar as infraestruturas já existentes ou criar novas, sejam grandes ou pequenas, públicas ou privadas, de fins múltiplos ou não, por forma a evitar a quebra na disponibilidade. E já temos identificada a obra que pode ajudar a melhorar a rede já existente.

A EDIA – Empresa de Desenvolvimento e Infra-estruturas do Alqueva, S.A. – elaborou um estudo onde foram identificadas intenções de intervenção, quer no âmbito da modernização e reabilitação de regadios existentes, quer na implementação de novos regadios que, em conjunto, beneficiarão cerca de 500 000 hectares, distribuídos de Norte a Sul do País. Mas não servirão apenas agricultura. Os novos regadios serão de fins múltiplos, reforçando a garantia de abastecimento público e industrial, permitindo a produção de energia fotovoltaica, criando faixas de renaturalização e de atividades de lazer.

Também o Projeto Tejo pretende constituir-se como um aproveitamento hidráulico, também ele de fins múltiplos. Permitirá não só a rega do Vale do Tejo, Oeste e Setúbal apenas com recurso a águas superficiais, como também criará condições de navegabilidade do rio, repondo as condições para a pesca e aquacultura, permitindo a produção de eletricidade verde nos açudes e barragens a construir. A isto acresce a potencial adução de água para o abastecimento urbano e industrial.

Não pretendo opinar sobre a priorização dos investimentos. Mas no meu entender o que é absolutamente prioritário e indispensável é criar uma visão holística da gestão da água em Portugal, na forma de um grande sistema hidráulico, integrando todas as infraestruturas de retenção e armazenamento, captação e distribuição da água.

Fazem então falta mais barragens?

Incontornavelmente, sim! Se não temos água, temos que procurar forma de a armazenar. As barragens desempenham, e desempenharão, esse papel crucial no nosso País, dando suporte à vida humana e animal. A História prova o seu benefício (que se sobrepõe largamente ao custo). Aprendamos com aqueles que aqui viveram antes de nós, e criemos condições para que as futuras gerações cá continuem por muitos e bons anos.