Na semana passada ficou decidido que a elevação do salário mínimo nacional para 705 euros em 2022 vai ser compensada por um apoio anual às empresas no valor de 112 euros por trabalhador, correspondendo a uma comparticipação do Estado em 85% do valor de acréscimo de taxa social única com o aumento na retribuição mínima. Desta vez, segundo a imprensa, o apoio de 112 euros anuais irá chegar a todas as empresas que pagam o salário mínimo, e não apenas aos setores em maiores dificuldades económicas. O Estado, deste modo, financia, pelo menos parte, o aumento do salário mínimo, acentuando a dependência das empresas face ao mesmo, uma vez que passa a ser regra o financiamento público às empresas que aumentem o salário mínimo.
Em Portugal os salários são muito baixos e o salário mínimo também o é, reflectindo o atraso relativo da economia, pelo que o seu aumento é algo consensual entre a generalidade dos portugueses. Em várias zonas do país, é mesmo insuficiente para assegurar um padrão de vida aceitável face ao que se esperaria de um país que está na União (Comunidades) Europeia(s) há 35 anos. A questão que me preocupa, é antes a de ser necessário apoio público para se obter um salário mínimo comportável por muitas empresas e, mais importante ainda, a acentuação da dependência estatal de uma parte cada vez maior do tecido empresarial português. Por outras palavras, percebendo-se a intenção, a forma como esta se concretiza, é um verdadeiro anátema numa economia que se diz ser uma economia de mercado.
A ideia com que naturalmente se fica é que não estamos num quadro em que o aumento do salário mínimo, sem apoios, não produzisse maior desemprego. Isto, mesmo sabendo, como hoje se sabe, que o aumento do salário mínimo não implica necessariamente maior desemprego, havendo ampla evidência de que muitas vezes, mesmo aumentos substanciais daquele não produzem alterações relevantes na taxa de desemprego. Há hoje um acervo significativo de literatura, sobretudo para os EUA, o Reino Unido e outros países desenvolvidos, que mostra que mesmo aumentos significativos do salário mínimo podem ter implicações negligenciáveis na taxa de desemprego, sobretudo nos sectores ou mercados em que o poder de monopsónio dos empregadores leva a salários estabelecidos abaixo da produtividade marginal do trabalho. O governo português parece acreditar que não será este o caso, e não apenas nos sectores em maior crise, como os referenciados em 2021, pois decidiu subsidiar as empresas que pagam salário mínimo de modo a compensar parcialmente o aumento de custos salariais em 2022. E não o fez apenas nos sectores mais atingidos pela crise pandémica, mas de forma generalizada.
O resultado pode ser uma vitória política do governo, mas é um mau sinal sobre o funcionamento da economia e sobre a crescente dependência do sector privado face ao Estado. Na verdade, teremos uma distribuição salarial ainda mais concentrada junto do seu limite inferior, aproximando o mínimo da mediana e da média, o que não é um sintoma de uma economia que funcione adequadamente, até porque a o grosso da distribuição corresponde a valores salariais baixos. O que é mais preocupante, é que o resultado implica um acréscimo não despiciendo da dependência das empresas privadas face ao executivo, com tudo o que tal significa, perante a complacência e mesmo concordância dos seus principais representantes. Pior, todos parecem acreditar que a solução é artificial e, portanto, no futuro, porque os efeitos são cumulativos, geradora de uma dependência crescente e de um faz de conta institucionalizado. Mesmo assim, concordam em concretizá-la. Não é um bom augúrio: num país em que o pensamento mágico e a demagogia têm trazido estagnação e empobrecimento relativo, maior dependência e mais artificialismo virão, mais tarde ou mais cedo, com um factura pesada associada. Os erros do passado, repetem-se no país do faz de conta.