O período de férias é tipicamente uma altura de grandes constrangimentos nos serviços de saúde, principalmente nos serviços de urgência e obstetrícia. A lei prevê o direito de acesso a tratamento dentro de tempos de espera razoáveis, mas cabe analisar a tutela que a lei oferece quando tal realidade é colocada em crise.
“Todos têm direito à proteção da saúde” – assim dita o artigo 64.º da Constituição da República Portuguesa. Para assegurar este direito, estipula a Lei Fundamental que incumbe prioritariamente ao Estado garantir o acesso de todos os cidadãos aos cuidados da medicina preventiva, curativa e de reabilitação, independentemente da sua condição económica; garantir uma racional e eficiente cobertura de todo o país em recursos humanos e unidades de saúde; orientar a sua ação para a socialização dos custos dos cuidados médicos e medicamentosos; e disciplinar e fiscalizar as formas empresariais e privadas da medicina, articulando-as com o Serviço Nacional de Saúde, por forma a assegurar, nas instituições de saúde públicas e privadas, adequados padrões de eficiência e de qualidade.
Não obstante a proteção constitucional, não é suficiente propalar o direito ao acesso a cuidados de saúde quando, na verdade, se exige que este acesso seja garantido e o seja em tempo útil. A Carta dos Direitos de Acesso aos Cuidados de Saúde pelos Utentes do Serviço Nacional de Saúde define os tempos máximos de resposta garantidos (adiante “TMRG”), que variam conforme o tipo de cuidado de saúde, como, por exemplo, a patologia, o agendamento de uma consulta, a realização de meios complementares de diagnóstico e terapêutica, ou o agendamento de cirurgias.
Com base nestas guidelines, cada estabelecimento prestador de cuidados de saúde estabelece os seus próprios TMRG, que devem constar nos planos de atividade, mas também devem encontrar-se afixados para consulta acessível dos utentes. Surge, deste modo, um dever por parte do estabelecimento de informar e disponibilizar aos utentes os TMRG por si adotados.
São vários os casos em que os TMRG definidos não são cumpridos, muitas vezes por deficiências do SNS, que não possui os meios de resposta necessários. Além disto, a Carta não estabelece TMRG para situações de prestação de cuidados de saúde com caráter de urgência. Quer num caso, quer noutro, urge avaliar de que modo pode o utente salvaguardar os seus direitos, nomeadamente, quais os meios de reação disponíveis.
Caso o estabelecimento não se encontre a cumprir os TMRG legalmente previstos, o utente poderá reclamar para a Entidade Reguladora da Saúde, estando em causa a responsabilidade contraordenacional, que pode gerar a condenação do estabelecimento no pagamento de uma coima. Por outro lado, caso o utente considere que o incumprimento dos TMRG gerou algum dano na sua esfera pessoal, nomeadamente, por ter prejudicado a qualidade dos serviços prestados, afetando a sua saúde, o utente poderá recorrer à via judicial.
Sucede que, muitas vezes, os danos são produzidos não por uma conduta concreta identificável, levada a cabo por uma pessoa em concreto, mas em consequência de um conjunto de vicissitudes, de pequenas falhas de todo o sistema de saúde, que não podem ser avaliadas isoladamente. As consequências derivam, nestes casos, da incapacidade do Estado, como um todo, de prestar os cuidados de saúde devidos, ou de o fazer em tempo útil. A lei prevê, também neste caso, a possibilidade do utente acionar o Estado com base na denominada responsabilidade civil pela falha do serviço.
Não raras vezes, o nosso ordenamento jurídico é programático, com as disposições legais a confundirem-se com desejos do legislador. Isso acontece com várias disposições relativas às obrigações do Estado quanto à prestação de cuidados de saúde. Se o Estado não consegue estar à altura dos padrões que ele mesmo impôs, com as tais normas programáticas, o cidadão tem a oportunidade de fazer valer os seus direitos. Infelizmente, estes nunca passarão pela reversão das consequências de saúde, quando as haja, mas apenas pela responsabilidade contraordenacional ou civil. É que a nossa saúde não vai de férias.