O mês de fevereiro foi singular no que respeita ao setor da energia. Um mês marcado por diversos acontecimentos, que nos dão um sinal dos muitos desafios e oportunidades bem como uma noção das necessidades futuras, que permitam uma transição energética bem-sucedida.

Começando pelos acontecimentos previsíveis: foi aprovado o Plano de Ação para o Biometano, integrado no Fit for 55, da União Europeia – um eixo central do caminho para a descarbonização. Pretende aumentar a autossuficiência e acelerar a produção de biometano, como vetor importante para a diminuição de importações de gás fóssil, utilização do gás como fonte de transição e estratégia para a indústria pesada e para a segurança do sistema elétrico.

Além disso, talvez menos esperado, o mês de fevereiro ficou marcado por preços atipicamente baixos no mercado grossista de eletricidade. A elevada presença de fontes renováveis na produção de eletricidade, com novos máximos históricos de produção de energia hídrica em Portugal (aproximadamente 7 GW, no dia 29 de Fevereiro) ou de produção horária de energia solar fotovoltaica com um total de 1,9 GW, a 19 de fevereiro, justificam, em parte, estes preços.

Já em março, em Espanha, registou-se um máximo de produção solar na rede (17GW) num momento em que Portugal importava aproximadamente 30% do seu consumo de eletricidade (incluindo bombagem hídrica, para armazenamento). Nesse momento, Portugal produzia também cerca de 1,5 GW de eletricidade a partir do sol. Estes máximos históricos são resultado do aumento da capacidade instalada em ambos os países (para um total de 25 e 4 GW de capacidade fotovoltaica e 31 e 6 GW de eólica, em Espanha e Portugal, respetivamente) e dão um sinal do sistema futuro.

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No entanto, mesmo existindo já diversas horas do dia com preços praticamente nulos e períodos de participação da produção eólica e solar superior a 50% da produção total, a capacidade instalada está ainda aquém do total perspetivado pelos governos de Portugal e Espanha. O Plano Nacional de Energia e Clima de Portugal, projeta um total de 20 GW de solar e 12 GW de eólico em 2030, enquanto o homólogo espanhol (PNIEC) que perspetiva um total de 76 GW de solar fotovoltaico e 62 GW de eólica para 2030. Toda esta capacidade instalada até 2030 faz antever longos períodos de excesso de energia renovável não gerível (ou, na gíria técnica, não despachável).

Este contexto, de baixo preço e grande produção de eletricidade, em particular a partir de fontes renováveis intermitentes, reforça a urgência de planear o armazenamento de eletricidade. Um armazenamento decisivo para regularizar a variabilidade diária, mas também para regular as produção em base semanal, mensal ou mesmo semestral. Como refere na nota inicial o documento da Comissão Europeia “Energy Storage – Underpinning a decarbonised and secure EU energy system”, de 14 de março de 2023, a “produção variável de energia renovável só atingirá o seu pleno potencial com a implantação de armazenamento”.

Este armazenamento não diário será provavelmente assegurado por bombagem (a tecnologia mais madura e frequentemente esquecida) ou por baterias químicas RedOx (que dão os primeiros passos e têm algumas desvantagens relacionadas com a necessidade de minerais e terras raras). Mas os planos nacionais acima referidos parecem pouco ambiciosos quanto a esta dimensão, com o plano português a prever apenas mais 0,3 GW de armazenamento por bombagem e 1 GW em baterias e o espanhol a prever aproximadamente mais 11 GW de armazenamento (sem discretização tecnológica e a que se soma o solar térmico concentrado que assegura alguma capacidade de gestão).

Num momento em que termina a campanha eleitoral e onde o sector elétrico acabou por ficar um pouco à margem (escrevo este artigo a 8 de março), precisamos que o novo ciclo político olhe para esta necessidade. Para isso, é necessária uma estratégia clara e de médio-longo prazo para estes segmentos, recorrendo não apenas a pagamentos por capacidade, mas que garanta também clareza e previsibilidade na regulação e incentivos. Só assim se poderá desenvolver mais armazenamento, vital à fiabilidade do sistema elétrico e essencial à viabilidade de novos projetos solares e eólicos – o eixo central da estratégia de descarbonização do setor elétrico ibérico.