O termo “freelancer” tem uma origem que remonta ao início do século XIX, quando o famoso autor escocês Sir Walter Scott utilizou a expressão no seu romance histórico Ivanhoe, publicado em 1820. Na obra, Scott descreve o “freelancer” como um “guerreiro medieval”, um cavaleiro que oferecia seus serviços militares a senhores feudais que pagassem pelos seus serviços.

A palavra “freelance” é composta por “free”, que indica liberdade ou independência, e “lance”, que se refere à lança, a arma característica dos cavaleiros desse tempo. Esses guerreiros eram “livres” porque sua lança, ou seja, os seus serviços especializados em combate, não estavam comprometidos com nenhum senhorio em particular, permitindo-lhes escolher para quem lutar, dependendo das condições oferecidas.

No contexto medieval retratado por Scott, os freelancers eram figuras típicas de uma época em que a guerra era uma constante e as alianças eram frequentemente voláteis. Esses cavaleiros vendiam as suas capacidades diferenciadas em particular nos campos de batalha para quem lhes oferecesse condições que em consciência achassem mais atrativas, desempenhando frequentemente papéis decisivos em conflitos locais e regionais. A sua lealdade uma vez contratada, era inquebrantável. Os serviços dos freelancers de então dependiam das suas capacidades, da sua reputação, da capacidade de oferecer e negociar os seus serviços, já então numa vida profissional inserida num mercado altamente competitivo e perigoso.

A descrição de Scott transformou essa figura histórica em um símbolo de independência e mobilidade profissional, conceitos que se alinham bem com a noção moderna de freelancer, alguém que trabalha de forma autónoma, oferecendo a sua formação, qualificações, reputação e meios de atuação a diferentes empregadores, sem um vínculo permanente. Assim, a ideia do freelancer evoluiu de um guerreiro medieval que vendia sua lança para o profissional liberal contemporâneo que oferece seus serviços especializados, mantendo sua independência e autonomia.

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No século XIX, o conceito de freelancer expandiu-se para incluir, políticos independentes, jornalistas, advogados de entre outros profissionais.

Apesar das diferenças contextuais, existem semelhanças notáveis entre os freelancers medievais e os profissionais liberais modernos. Ambos os grupos valorizam a independência e a flexibilidade, preferindo operar fora das amarras de uma estrutura hierárquica rígida. Nos tempos medievais, um guerreiro freelancer podia mudar de Senhor conforme as oportunidades surgiam, da mesma forma que o profissional liberal moderno pode escolher seus clientes e projetos.

A relação com os clientes também é um ponto de convergência. Assim como os freelancers medievais precisavam manter uma boa reputação para garantir futuras contratações, os profissionais liberais de hoje dependem fortemente de suas redes de contato e da qualidade do seu trabalho para assegurar a continuidade dos seus serviços e negócios.

Outro aspeto comum é o risco inerente ao trabalho independente. Tanto no passado quanto no presente, a ausência de um vínculo laboral permanente implica em uma instabilidade económica e financeira e desproteção social que precisa de ser levada em linha de conta por exemplo no estabelecimento de honorários por parte do profissional liberal.

Apesar de tudo, essa incerteza, se convenientemente incorporada é contrabalançada pela liberdade de escolha e pela capacidade de explorar oportunidades diversas, sejam elas nos campos de batalha medievais ou no mercado atual globalizado.

A tecnologia é obviamente um fator altamente diferenciador entre o contexto medieval e moderno, talvez o maior de todos:  enquanto os freelancers medievais dependiam de suas habilidades físicas e conhecimentos militares, os profissionais liberais modernos utilizam a sua formação académica, conhecimentos profissionais e formações específicas diversas para prestar serviços com qualidade e mais valia aos seus clientes.

A especialização também é um ponto de divergência. Enquanto os freelancers medievais precisavam de ser versáteis e adaptáveis em múltiplas situações de combate, os profissionais liberais modernos tendem a especializar-se em áreas muito específicas, refletindo a complexidade crescente da sociedade e do mercado de trabalho.

A economia globalizada também transformou a natureza do trabalho freelancer. Hoje, um profissional liberal pode oferecer os seus serviços para clientes em qualquer parte do mundo, algo inimaginável na Idade Média. Além disso, a regulação das profissões liberais evoluiu consideravelmente, com códigos de conduta, associações profissionais, regulação e legislação específica que garantem a qualidade e a ética no exercício dessas profissões.

A história dos freelancers, desde os guerreiros medievais até aos profissionais liberais contemporâneos, oferece valiosas lições sobre a importância da autonomia, da adaptabilidade e da reputação no mercado de trabalho. Olhando para o futuro, é possível que o conceito de freelancer continue a evoluir, especialmente com o avanço das tecnologias de inteligência artificial e automação, que podem redefinir o que significa ser um profissional liberal.

A crescente procura sobretudo por parte das novas gerações por flexibilidade e a valorização crescente do equilíbrio entre vida pessoal e profissional estão a levar a um aumento no número de freelancers e profissionais liberais. No entanto, isso também trará desafios, como a necessidade de redes de suporte mais robustas e regulamentações que protejam esses trabalhadores em um mercado cada vez mais competitivo e globalizado.

O conceito de freelancer, como visto, é adaptável e resiliente, permanecendo relevante mesmo num mundo em constante mudança.

Os profissionais liberais modernos cuidam das pessoas, asseguram o evoluir do quotidiano das comunidades, atuando na e sobre a sua regular vivência, o que implica também capacidade de mediação entre atores como o Estado e as Autarquias e outras organizações e entidades da sociedade civil. Daí a pertinência de realizar o Fórum Profissional Liberal, no Porto, a 21 de setembro próximo, dedicado este ano ao tema da Qualidade de Vida nas Cidades, realçando o papel do Arquiteto e de outras profissões liberais. Comemora-se simultaneamente o Dia Mundial das Profissões Liberais.

Questões como a Fiscalidade Verde e Inclusiva, A Criatividade nas Profissões Liberais, a importância da Educação e Desenvolvimento Profissional Contínuo , a Responsabilidade e Deveres do Profissional Liberal ,  o superior Interesse da comunidade em geral e,  como não podia deixar de ser a importância do Porto , cidade liberal de forte tradição de empreendedorismo, e das suas Instituições,  serão  temas centrais de discussão e partilha .

A abrangência do setor das profissões liberais está à vista:  segundo o CESE, Comité Económico e Social Europeu, cerca de 22% dos trabalhadores da Europa estão ligados às áreas das profissões liberais. Em termos macro em Portugal representa, excluindo artes e cultura:

21,7 % do VAB, Valor Acrescentado Bruto da economia,

16,5% do emprego direto,

26,3. % do tecido empresarial e

28,7 % do investimento empresarial em I&D, Investigação e Desenvolvimento.

Nos últimos cinco anos, o número de trabalhadores independentes em Portugal, com habilitações superiores, cresceu cerca de 40%.

Ou seja, o trabalho está em mudança acelerada. Há cada vez mais profissionais liberais e trabalhadores qualificados, nacionais e migrantes, da União Europeia e países terceiros.

O futuro dos profissionais liberais parece promissor, mas dependerá da capacidade dos próprios de continuarem a inovar a empreender adaptando-se às novas realidades do mercado de trabalho, às mudanças tecnológicas e sociais sem perder nunca de vista seus princípios e valores éticos fundamentais que asseguram a confiança da sociedade.

Nota: o mote histórico deste artigo resultou de uma apresentação efetuada pela BUKO –  Bundeskonferenz der Freien Berufe , Conferência das Profissões Liberais da Aústria, no âmbito de uma Assembleia Geral do CEPLIS, Confederação Europeia das Profissões Liberais em que participei, em representação da Associação Nacional dos Profissionais Liberais.