Facto 1: os impostos/taxas sobre o tabaco representam, tudo confundido, cerca de 80% do seu valor final. Ou seja, num maço de 5€, 4 destinam-se a impostos e taxas diversas, directamente para os cofres do Estado.

Facto 2: existem estudos que demonstram que a exposição a quantidades importantes de fumo passivo pode provocar (sublinhando-se que falamos de risco, e não de um qualquer fatal determinismo) doença em não-fumadores (tal como, com muito maior risco, em fumadores).

Facto 3: esse risco de doença pelas acções de terceiros, atentatório da liberdade de quem não o quer assumir, justificou legitimamente restrições legais diversas. Ou seja, no respeito da liberdade de todos, não se pode admitir que uns, no uso da sua, atentem à de outros (neste caso: no seu desígnio de Saúde), e contra a sua vontade.

Isso justifica que em certos espaços, onde não é lícito que se dupliquem circuitos (entre «fumadores» e «não-fumadores»), se proíba o fumo. Sou do tempo em que se fumava em todo o lado, e em que não-fumadores não tinham a possibilidade de optar por um ambiente livre de fumo. O que, à luz dos malefícios que entretanto se descobriram, é ilegítimo.

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Claro que, a coberto dessa legítima justificação, se tomaram medidas excessivas e patéticas, nem que fosse pelo facto de em muitos casos se tratarem os não-fumadores como mentecaptos incapazes de conseguir escolher por si próprios locais devidamente livres de fumo, sempre que essa escolha existe. Ou seja: se é certo que numa consulta ou enfermaria de um hospital público, nos corredores e numa sala de aulas de uma escola pública, numa repartição do Estado, em alguns transportes públicos (por exemplo autocarros), a restrição impõe-se, já na esmagadora maioria dos outros locais e estabelecimentos onde ela foi também imposta «a eito» (e onde a duplicação de circuitos era possível, ou a mera opção por querer ser um espaço privado «fumador» ou «não-fumador»), tal era absolutamente escusado. Desde que existisse opção de escolha. Mas pronto, parecia apenas a habitual trapalhice de governos socialistas e colectivistas, com a sua incorrigível mania de querer regular todo e qualquer detalhe do dia-a-dia dos indivíduos que «tutelam», sempre muito pouco crentes nas capacidades discriminatórias (entre o bem e o mal, o que convém e deixa de convir…) dos cretinos que julgam governar.

O que nos leva ao nefasto Facto 4: hoje em dia, o que se assume claramente, e curiosamente sem qualquer pingo de vergonha (porque a farsa já é «aceite»), é que se quer simplesmente restringir (ou até proibir) quem quer usufruir dos prazeres pessoais do tabaco inalado de o poder continuar (ou começar) a fazer. Porque diz que uma qualquer fugaz fragrância que tem o azar de se cruzar com um prepotente nariz mais intolerante «incomoda». Porque diz que «dá mau exemplo», asseguram-nos uns, invariavelmente tão enjoadinhos quanto enjoativos, puritanos destes tempos modernos, sob as suas mais diversas (e insuportáveis) formas. Porque diz que reduz qualidade e tempo de vida, como se agora nem o tempo de vida de cada indivíduo adulto pudesse ser livremente colocado em risco pelo próprio, e à sua responsabilidade.

E o nefasto Facto 4, de inconcebível interferência com a liberdade individual dos fumadores (e onde estas já não interferem, de todo, com a Liberdade do desígnio de Saúde de outros), costuma-se justificar com um pseudo-facto fundamental: «custa (mais) caro à sociedade», em «doenças ligadas ao tabaco». Isto é: que existe um «custo económico global» para toda a sociedade em nome de uma parte (os que fumam). O que seria, evidentemente, inaceitável.

Só que não, não sai mais caro, e esse argumento «económico» é hipócrita, falacioso e de má fé.

Primeiro, os impostos pornográficos sobre o produto (facto 1) contribui para abater qualquer putativo custo acrescido do tratamento público dessas doenças. E digo «abater», já que os fumadores pagam todos os restantes impostos e taxas na mesmíssima proporção que os não-fumadores, e têm por isso o mesmíssimo direito à Saúde pública, com o bónus da tal extracção pornográfica suplementar que lhes é exclusivamente imposta.

Segundo, os estudos existentes falam sempre dos custos das doenças ligadas ao tabaco, e não têm quase nunca em conta um grupo controlo com a doença alternativa ilusoriamente baratucha que acabará por levar, mais tarde ou mais cedo, os não-fumadores à cova. Isto é: quando não se morre de «doença ligada ao tabaco», morre-se em geral (e até prova em contrário) de outra doença qualquer, e que em geral não é «de borla». Dito ainda de outra forma: claro que as doenças ligadas ao fumo custam dinheiro em cuidados de Saúde. Mas as doenças de todos aqueles que não fumam também custam, e não necessariamente menos!

Terceiro, se em média os fumadores vivem menos 10 anos (mais coisa, menos coisa) que os não fumadores, e não se tratando em geral dos anos pré-reforma (dada a esperança de vida na actualidade), isso representa (em média) 10 anos de pensões a menos com cada fumador, bem como de custos diversos em comparticipações públicas (com por exemplo em medicamentos, com a soma de comorbilidades típicas da idade), em serviços públicos de Saúde (entre muitos outros: lares, etc…), e tudo isso numa população quase exclusivamente «não-produtiva». O que, obviamente, representa uma significativa poupança social (e que, quem sabe, até põe em causa o próprio fundamento do «facto 1»).

Para recentrar um pouco as coisas, nesta altura do texto em que muitos já se terão despistado: não, isto não é uma apologia ao tabagismo. Sim, o tabaco faz mal à saúde, e isso deve fazer (e já faz) parte das campanhas informativas de uma Saúde Pública que se preze. Sim, as crianças devem ser afastadas (e já o são) do acesso a essa planta, e de contraírem o vício numa fase da vida em que a sua autonomia não é plena. E sim, a saúde de quem escolheu livremente não fumar deve ser (e já é, em excesso) salvaguardada.

Mas não, o tabagismo não deve ser proibido! Nenhuma dessas premissas retira habilitação ao indivíduo na sua liberdade de fumar, se assim o desejar! Quem quiser fumar deve poder fazê-lo livremente, sem proibições infantilizantes de «encarregados de educação» governamentais, sempre férteis de imaginação para argumentos mal paridos. «Achar pontualmente e subjectivamente incómodo» uma determinada situação nunca foi critério para se proibir o que quer que fosse a um cidadão a favor de outro (ou nunca deveria ter sido). Fumar numa esplanada não atenta ao que quer que seja (e muito menos a «direitos») de ninguém. Como fumar ao ar livre à porta de uma escola ou de um hospital, ou até num espaço apropriado e designado para o efeito, seja onde for. Os não fumadores não são dodós que irão acorrer à auto-extinção precipitando-se, incautos, para o fumo, ou fá-lo-ão em consciência e assumindo essa (chamemos-lhe assim) responsabilidade, e acima de tudo: não devem nem podem ser tratados como tal!

O argumento do «peso económico» acrescido para a sociedade no seu todo é, simplesmente, falso!

A verdade é, portanto, apenas uma nos dias de hoje: trata-se de uma questão de privação de liberdade dos fumadores.

Hoje é o tabaco, e a malta a quem o cheiro lhes é «desagradável» agradece (ou parece-lhe indiferente), mas o engraçado nestas derivas é que amanhã será algo que lhes é caro. A carne, as batatas fritas, a maionese, o sal, o vinho, a cerveja, os doces e açucares. O carro, as viagens de avião. A casa. Os quilos a mais, os quilómetros a pé a menos. Coisas que vai apetecer fazer (ou não fazer), mas que não vai ser mais possível, independentemente do facto de não afectar terceiros (ou de apenas «incomodar» uns poucos, ou até muitos).

Tudo coisas que, então sim, levarão os palermas, que hoje aplaudem as actuais restrições, a perceber que se trata (como se tratará) de um atentado inaceitável às suas liberdades individuais. Tal como se trata, já hoje, com o tabaco, e como activa ou passivamente o concebem, sem perceber que amanhã será algo que lhes parecerá, também a eles, inconcebível.

Ora, como acontece sempre nestas coisas de cidadãos cada vez mais de segunda na exigência do respeito pelos seus direitos: será demasiado tarde. Será bem feita, mas demasiado tarde, já que o princípio em si (de primazia da liberdade individual) terá sido bovinamente negligenciado, e deixado adulterar na sua base.

Por isso cresçam, chiça. Se não querem crescer, no mínimo deixem os adultos em paz. A fumar, se assim o quiserem. De preferência bem longe de todas as narinas enjoadinhas, quais pináculos de cabecinhas intolerantes e autoritárias, e que nunca foram desígnio de companhia apetecível para qualquer fumador deste mundo.

Mas livres, assumindo responsavelmente os riscos que bem entenderem, bem como as consequências que a cada qual dizem respeito!

Nota editorial: Os pontos de vista expressos pelos autores dos artigos publicados nesta coluna poderão não ser subscritos na íntegra pela totalidade dos membros da Oficina da Liberdade e não reflectem necessariamente uma posição da Oficina da Liberdade sobre os temas tratados. Apesar de terem uma maneira comum de ver o Estado, que querem pequeno, e o mundo, que querem livre, os membros da Oficina da Liberdade e os seus autores convidados nem sempre concordam, porém, na melhor forma de lá chegar.