Após a abertura de olhos provocada pela Guerra na Ucrânia, a Organização do Tratado do Atlântico Norte recuperou a sua razão de ser há anos esquecida: assegurar a sobrevivência da democracia e a liberdade, mesmo que pela força. No entanto, a OTAN, como o próprio nome indica, é uma organização fundamentalmente regional, um grave impedimento ao seu papel, embora tenha realizado missões a nível global.
O regionalismo da aliança entende-se pelo seu contexto histórico. Quando esta nasceu, em 1949, basicamente todas as verdadeiras democracias (e algumas falsas) localizavam-se na Europa Ocidental, América do Norte e Oceânia, e a maioria tinha surgido, ou ressurgido, há poucos anos.
O caráter exclusivo da OTAN está evidente no Artigo 10 do tratado fundador que concede o nome à aliança, afirmando que somente países europeus podem ser convidados a integrar a organização, embora nesta estejam dois países americanos e um cuja ambiguidade territorial ainda levanta debates, a Turquia.
Agora, mais de sete décadas depois, uma série de Estados latino-americanos, africanos e asiáticos tornaram-se democracias, algumas destas com imenso sucesso, tanto no campo humanitário como económico, outras com algumas dificuldades.
É, inclusive, na Ásia que está a maior democracia do mundo, a Índia, um dos pouquíssimos Estados que têm as condições para, num futuro não tão distante, fazer frente militar e economicamente à China. Ainda no mesmo continente, o Japão abandonou o pacifismo imposto após a Segunda Guerra Mundial e voltou a reatar as relações com a Coreia do Sul.
Nisto retorno à pergunta do título: dado a presença global de potências autoritárias, não estará na hora de a OTAN abandonar o Artigo 10 e convidar potências militares como a Índia ou o Japão para a aliança? Seria uma excelente forma de demonstrar a Putin que o objetivo da OTAN não é combater a Rússia, mas sim todas as facetas do autoritarismo.
Já se foram os dias em que a aliança abrigava ditaduras, como a portuguesa, por conveniência estratégica e medo do comunismo. Uma organização cuja função é defender a democracia global deveria estar aberta a abrigar qualquer democracia minimamente estável para continuar a sê-lo.
Talvez seja questionável a utilidade de a expandir desta forma e o quanto podemos realmente confiar em estados como a Índia, que sentem alguma dificuldade em condenar a Rússia pela guerra. Todavia, tal como todas as decisões democráticas, este processo levaria o seu tempo. Em certos casos, a integração na OTAN seria um aprofundar de parcerias já existentes, como no caso da Austrália e Nova Zelândia, mas com cada novo estado aderente a mensagem estaria clara para aqueles que veem os valores democráticos como uma fraqueza do sistema.
No final das contas, o sonho utópico europeu em que guerras de larga escala nunca mais aconteceriam não passava de um devaneio, o pacifismo passivo que permitiu a invasão da Ucrânia não pode repetir-se. A defesa das democracias, sejam estas europeias, americanas, africanas ou asiáticas deve ser assegurada, pois quando uma cai, a humanidade como um todo perde algo valioso e raro na história do planeta. Não podemos esquecer que, ao longo dos milénios, a democracia sempre foi, e ainda é, a exceção.