Para quem desconhece, a raspadinha do Património Cultural anda à roda no próximo dia 18 de Maio. A data foi escolhida tendo em conta o Dia Internacional dos Museus. Esta medida, inscrita no Orçamento do Estado de 2021, em parceria com a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, é um jogo tal como já o conhecemos, estando a diferença no beneficiário.
Como sabemos, nas habituais raspadinhas, Euromilhões e outros jogos, as receitas são exclusivas da Santa Casa, mas neste jogo, especificamente,, a receita é integralmente atribuída ao Fundo de Salvaguarda do Património Cultural, destinando-se a despesas com intervenções de salvaguarda e valorização patrimonial, com uma verba esperada de cinco milhões de euros por ano.
Das várias questões que esta medida levanta, uma delas é saber se deve ou não o Estado financiar-se através do jogo para cumprimento das suas obrigações constitucionais, bem como analisar se, desta forma, não entrará o Estado em directa concorrência com a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.
Muito se tem falado e escrito sobre a forma como os Portugueses se comportam com o jogo, sendo o perigo mais evidente, o vício. Aliás, sobre a raspadinha, um estudo divulgado no ano passado, da autoria de dois investigadores da Escola de Medicina da Universidade do Minho, publicado na revista internacional “The Lancet Psychiatry”, dá-nos conta de uma realidade preocupante. Em 2018, os portugueses gastaram quase 1,6 mil milhões de euros em raspadinhas, numa média de 4,4 milhões de euros por dia.
Um jogo de fácil acesso, que pode causar alguma dependência, onde teremos também que analisar quem são os consumidores respectivos. E não haja dúvidas. O “alvo” preferencial deste jogo são as pessoas de mais baixos rendimentos e pouco consumidores de cultura.
Por essa razão não parece ser moralmente aceitável, que o Estado, como garante do bem-estar dos seus cidadãos, venha agora financiar-se através de uma raspadinha, com os perigos associados a esta forma de jogo. Aliás só a expressão “ jogo” atrai de imediato o mais vulnerável. Para se perceber melhor e mais detalhadamente esta matéria, basta ler o o estudo já referido sobre o consumo de raspadinhas em Portugal.
Por outro lado, sobre a importância do papel das instituições de solidariedade social, depressa se conclui que a sua importância é vital para as pessoas mais desprotegidas socialmente e que estas instituições, ao substituirem-se ao Estado, conseguem cumprir o seu papel, apesar, muitas vezes, das dificuldades financeiras inerentes às crises económicas. Não se entende, portanto, que no limite, esteja agora o Estado a concorrer com estas instituições para se financiar.
Em suma, ir buscar cinco milhões de euros à custa do vício não só é perigoso, como nos deve deixar a todos perplexos. Como foi possível fazer passar uma medida desta natureza com a justificativa de, transcrevendo as palavras da ministra da Cultura, Graça Fonseca, “que cada cidadão se sinta parte da missão nacional de preservar o património. Fazer com que cada um de nós se sinta parte de algo que tem de ser de todos. 2021 será também o ano de envolvermos todos nesta missão nacional”.
Quem joga nas raspadinhas, como já foi dito, é uma grande franja da população que possui baixos rendimentos e que também não acede à cultura por essa mesma razão.
Portanto, tenham lá calma, que ir “sacar” dinheiro assim não é justo, não é moral e não é de todo aceitável.
Bebam lá os vossos drinks de final de tarde, mas não brinquem com coisas sérias.