Assistiu-se nas últimas semanas a uma catadupa de notícias sobre o a prática do aborto, vindas de vários pontos do globo: Estados Unidos, Espanha, Croácia e, claro, também Portugal. Sendo um tema tão polarizador é natural encontrar nos media e nas redes sociais reacções para todos os gostos. Talvez mais notórias sejam as que afirmavam que quaisquer modificações restritivas nas leis dos vários países seriam retrocesso civilizacional.

Na vida de qualquer pessoa, praticamente todos os acontecimentos de vida fogem, ao menos por vezes, ao seu total controlo: aspectos económicos e laborais, segurança rodoviária, doenças genéticas e outras, planos para umas férias e um longo etcétera… Talvez não sejamos conscientes desse não-controlo (e ainda bem: caso contrário, muitos de nós não sairíamos de casa, mesmo antes da pandemia). Também não é menos verdade que acontecimentos adversos e imprevistos em vários aspectos da vida podem deixar marcas desagradáveis no indivíduo – mas, felizmente, aí podem e devem intervir outros actores que, numa perspectiva de subsidiariedade, ajudem a  minorar os danos sofridos. Exemplo disso serão, num nível mais formal, os cuidados de saúde e os apoios sociais e financeiros e, num nível mais informal, o suporte da família e de outras pessoas significativas.

A gravidez é, naturalmente, um importantíssimo acontecimento de vida, primeiramente para a mulher. Todos sabemos que muitas vezes será planificada e desejada, outras vezes até será desejada mas “não estava prevista” em determinado momento e outras ainda em que é “indesejada”. Levado a termo este último grupo de gravidezes, chega até a falar-se do nascituro com termos um tanto curiosos: é um “filho dos antibióticos” (devido à interferência de alguns destes medicamentos com a “pílula”), ou é uma “falha dos contraceptivos”.  (Já que também andamos hoje mais preocupados com a saúde mental, seria muito importante que tais apodos nunca chegassem aos ouvidos da criança ou do adulto que lhe sucede.)

Pela diversidade de factores em jogo na vida de cada mulher, certamente não será fácil para ninguém que uma gravidez considerada como “indesejada” mude de sinal. Contudo, chama a atenção este paradoxo: em Portugal é, na prática, bastante mais fácil e rápido para um médico oferecer o aborto como “solução” a uma mulher cuja gravidez é “indesejada”, por exemplo pela sua situação de pobreza, do que mobilizar ajudas financeiras e sociais para ajudá-la a aceite prosseguir com a gravidez. Neste aspecto, a Hungria (cujo governo é odioso para tantos políticos e media europeus) parece ser um bom exemplo.

Para terminar, diria apenas que toda esta problemática me lembra Steve Jobs. Walter Isaacson, autor de uma biografia sua, revela-nos estas palavras do biografado: “I wanted to meet my biological mother mostly to see if she was okay and to thank her, because I’m glad I din’t end up as an abortion”.

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