Na minha prática profissional diária qualquer paciente espera alívio ou cura para os males que o(a) afligem, e até aqui nada de novo. Contudo, ao longo dos anos tem-me chamado cada vez mais a atenção a “carga” levada, muitas vezes com lágrimas silenciosas e escondidas, de quem cuida dos que estão mais dependentes. Muitas vezes serão familiares, mas em não raros casos também são pessoas remuneradas para prestarem esses cuidados (e penso aqui também em profissionais de saúde). Em 2016, um estudo da Entidade Reguladora da Saúde revelou que “Portugal tem a maior taxa de cuidados domiciliários informais da Europa, a menor taxa de prestação de cuidados não domiciliários e uma das menores taxas de cobertura de cuidados formais, principalmente em função da escassez de trabalhadores formais, escassez que, segundo o International Labour Office, configura uma limitação ao acesso a cuidados continuados de qualidade”.

No contacto com o sofrimento do seu semelhante qualquer pessoa se vê interpelada por questões que não têm resposta imediata: “Porquê este sofrimento (do outro)? E se um dia for eu a estar assim?…”. Se somarmos a isto as particularidades das doenças e do carácter de cada pessoa dependente, teremos todos os ingredientes necessários para as coisas correrem mal.

Qualquer cuidador(a), se não for ele(a) próprio(a) alvo de cuidados, irá muito provavelmente adoecer. Mesmo antes disso, não terá ânimo para manter uma relação humana suficientemente serena com a pessoa de quem cuida e sentir-se-á sem forças para lhe prestar continuadamente os cuidados necessários de forma adequada. É de esperar nestas circunstâncias que quem cuida se sinta sobrecarregado(a) e quem é cuidado se sinta um peso, e ambos possam nalgum momento olhar para a eutanásia (da pessoa doente e dependente) como uma opção que “deveria estar disponível”. Exemplos de “cuidar de quem cuida” são instituições estrangeiras com internamento de Cuidados Paliativos em que a cada “x” meses mudam os profissionais de enfermagem que nelas trabalham.

Em Portugal, mesmo com o estatuto legal do cuidador informal, penso que será unânime reconhecer que social e fiscalmente o papel do cuidador (formal ou informal) ainda é insuficientemente valorizado. Creio que não é só com mais dinheiro do Estado que estas questões se resolvem, mas também é preciso.

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Também poderíamos pensar que estes problemas se resolveriam com “mais instituições”, e elas são efectivamente necessárias. Mas também é sabido que muitas famílias querem cuidar dos seus familiares em casa, e esses casos não deverão nunca ficar sem um adequado apoio da sociedade (quantas famílias, que não têm quem as substitua, não seriam mais felizes e saudáveis se dispusessem da ajuda de um elemento externo, diária ou nem tanto, para cuidar da pessoa doente que têm em casa?).

Último ponto, mas não menos importante: todas as acções que restaurem ou reforcem a coesão familiar serão bem-vindas (quantos cuidadores não estão injustamente sozinhos a cuidar de familiares mesmo havendo outros parentes igualmente próximos que poderiam compartilhar nalguma medida esses cuidados?). Não vejo que o Estado aqui possa fazer muito, mas se cada pessoa estiver atenta ao que se passa no seu contexto poderá talvez ser agente de mudança e deixar um legado de mais serenidade, mesmo que anónimo, ajudando assim a tornar mais feliz a vida de quem lhe é mais próximo na humanidade de que faz parte.

Avizinha-se a discussão da eutanásia na “casa da democracia” portuguesa, e portanto uma pergunta se impõe: serão a eutanásia ou os cuidados paliativos e a valorização social (e estatal) dos cuidadores a combater pela raiz o sofrimento de quem está doente e de quem cuida?