Se tivesse de apontar a grande ameaça ao pensamento lógico e à civilização ocidental, não hesitaria dez minutos em escolher a mentalidade woke. O conjunto de postulados, nascido do radicalismo e fermentado nas melhores universidades, tornou-se em pouco mais de uma década o único programa político da esquerda e a única referência moral admissível pelos costumes. Produzido pela mediocridade académica, com o seu inseparável molho de lisonja e narcisismo, nunca está suficientemente definido: os preceitos mudam, agravam-se e multiplicam-se à medida que os anteriores se vão tornando impraticáveis; a única constante é a incerteza anti-capitalista. A frivolidade woke dispensa as imposições da lógica, como dispensa a exigência, os critérios de verificação, a eficácia, o aprumo, a qualidade e a integridade; só não dispensa a ambiguidade retórica e a exibição de virtude.

Eis a ocupação da mentalidade woke e a motivação política dela: fabricar cidadãos inseguros, solitários, e vitimizados, para que o Estado se torne o seu último recurso e o seu único padrão comum. Uma invenção crescente da extrema-esquerda, posterior ao fim da cortina de ferro e em nome da sobrevivência revolucionária. Uma invenção adoptada progressivamente pela esquerda democrática, convencida que a dominava, que podia servir-se dela, e que desta maneira suavizava as culpas da cedência às ordens baixas do mundo – que é como a esquerda democrática vê o capitalismo. E uma invenção a que a “direita educada”, na sua proverbial cobardia, se agarrou com unhas e dentes. Sobra-lhe em “educação” o que lhe falta em instrução intelectual e política. A “direita educada” não enfrenta a esquerda, em parte, porque não tem imaginação nem argumentos.

O que fazer para contrariar uma maldição destas? Quem?, como?, com que meios? Há pelo menos duas frentes de guerrapara quem, como eu, considera que estamos perante uma guerra cultural (quase religiosa, pelos traços de intolerância e fanatismo). Uma delas é a frente intelectual. Compete aos intelectuais estudar e explicar a mentalidade woke, examinar os mecanismos internos, a maneira como cresce e onde cresce, perceber as origens, usar processos e argumentos intelectuais para desfazer a idiotia em que consiste, e até mostrar que ela nasce e se alimenta de motivações políticas. Não é pouco. Exige coragem, atenção, persistência, e um vocabulário próprio. Será o combate intelectual. Sirvo-me dele, uso o pensamento que ele vai produzindo, mas não é a minha especialidade. A outra é a frente política. Compete aos chefes partidários traduzir este conhecimento em acção política, e usar posições e argumentos políticos para aliviar os cidadãos dos efeitos que o cretinismo woke opera nas vidas deles.

Em Portugal, André Ventura é um dos poucos líderes partidários que compreendeu a ameaça cultural. Podemos usá-lo como exemplo de como é possível dar-lhe seguimento político. Vamos ver isso olhando para dois dos assuntos mais discutidos por ele: a imigração e a segurança. Estes dois assuntos, que escolheu e que o distinguem, acertam no coração do fanatismo woke. O debate sobre imigração desmonta a fantasia do multiculturalismo. Como é que o faz? Descendo ao concreto. Levando as pessoas a pensar: quais culturas são compatíveis com a nossa?, em que circunstâncias?, pelo turismo?, pelo comércio?, pelo trabalho? Todas estas dúvidas e possibilidades foram limitadas até à chegada do Chega e, sobretudo, até que Ventura elegesse com ele 50 deputados à Assembleia da República. Contra a força deste pequeno exército, tornou-se impossível manter a censura sobre a discussão, e o estigma sobre quem se atrevesse a duvidar. O debate sobre segurança devolve a autoridade ao Estado, tirando-a do relativismo e dos sentimentos (para onde a liturgia woke a levou e onde a pretendia manter). Por outras palavras, o debate sobre segurança reduz a autoridade hierárquica e brutal dos criminosos, e a autoridade fáctica dos grupos de pressão – ou seja, dos Climáximos, das “plataformas”, “núcleos” e “colectivos” onde a extrema-esquerda vive mal disfarçada.

Nesta guerra aberta, iniciada pela esquerda e com toda a desumanidade, compete aos intelectuais usar argumentos intelectuais para desfazer a idiotia woke, e até mostrar que ela tem motivações políticas. Por outro lado, compete aos chefes partidários combater a ditadura woke usando a retórica própria da política, e mostrar as consequências produzidas pelas ideias woke nas vidas das pessoas. André Ventura tem estado sozinho. Em vez de o isolar, o resto da direita devia aliar-se a ele e ajudar a fazer o que ele faz.

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