Fala-se no problema da habitação como se fosse, pelo menos à escala atual, um problema recente. Na realidade, o nosso país tem-se confrontado com graves crises habitacionais.
No início da década de oitenta, era eu adjunto do então ministro da Habitação, Obras Públicas e Transportes calculava-se que faltavam em Portugal cerca de um milhão de casas.
Ao congelamento das rendas em Lisboa e Porto que vinha do início do Estado Novo, mas que, até 1974, não impedia o investimento em imóveis para arrendamento, por a inflação ser muito reduzida, seguiu-se o congelamento mesmo em novos arrendamentos agora com taxas de inflação acima dos vinte cinco por cento. Em consequência, as cidades degradaram-se e o mercado de arrendamento evaporou-se. Simultaneamente, a indústria da construção deixou de funcionar e a oferta de novas habitações era insignificante.
O regresso a Portugal dos portugueses do Ultramar agravou seriamente o problema. À falta de alternativas, explodiu a construção clandestina. Os terrenos eram vendidos “em avos” e loteados informalmente pelos vendedores (alguém ainda se lembra disto?).
A entidade pública com atribuições de construção habitacional, o Fundo de Fomento da Habitação, era um emaranhado burocrático, com uma produtividade próxima do zero, acabando por ser extinto.
O esforço que se seguiu por parte dos municípios limítrofes a Lisboa e Porto para promover a regularização dos bairros clandestinos nas décadas que se seguiram foi notável.
O caminho legislativo para o descongelamento das rendas e a criação de um mercado de arrendamento digno desse nome foi lento e cheio de obstáculos e só terminou verdadeiramente com a chamada “lei Cristas”, tão execrada pela esquerda e objeto de mutilações várias em anos recentes.
É certo, porém, que o deficit de um milhão de casas se foi atenuando e anos houve em que, ao contrário do período mais recente, se verificou um real dinamismo na construção habitacional.
O panorama hoje é desolador. Descontado o exagero comum segundo o qual um T1 na Grande Lisboa não se arrenda por menos de mil e quatrocentos euros (talvez seja assim no centro de Lisboa), temos bairros sociais degradados, habitados por pessoas que não cumprem as mais elementares de respeito pela propriedade pública, pagando rendas insignificantes (quando pagam), pessoas que vivem na rua e uma muito insuficiente oferta de habitação para a classe média, quer para venda, quer para arrendamento.
Trata-se de um problema com diversas vertentes que têm de ter respostas diferenciadas.
Em primeiro lugar, para as situações de carência mais extrema ou de incapacidade para pagar qualquer renda, é necessário criar habitações de último recurso, com instalações coletivas, se necessário, mas que assegurem condições mínimas de dignidade e higiene.
Na habitação social para arrendamento, devem ser cobradas rendas que correspondam, pelo menos, ao valor estimado da manutenção e conservação dos imóveis e exigido o cumprimento pelos inquilinos dos regulamentos aplicáveis.
A vertente mais importante é a criação de condições que estimulem a construção de habitações de custos controlados, através da disponibilização de terrenos públicos ou da expansão das áreas urbanas, hoje muito limitadas por absurdos planos diretores, que tratam áreas sem qualquer valia agrícola, patrimonial ou sequer paisagística como se fossem heranças nacionais.
Outra medida fundamental é a aplicação de IVA à taxa de seis por cento à construção de habitações de custos controlados.
A aquisição dessas habitações deve ser acessível não só a moradores, mas também a investidores que as destinem a arrendamento, embora com limitações ao valor das rendas durante um período de pelo menos dez anos.
É certo que o problema da habitação não se resolve apenas pela construção de bairros sociais e que sem mercado de arrendamento não é possível disponibilizar casa a quem precisa.