Quando no ano de 1996 ia ao McDonald’s da Rua Rodrigo da Fonseca, em Lisboa, pedia sempre dois hambúrgueres só com cebola. Das primeiras vezes, reparava que este pedido fora do baralho dava uma dorzinha de cabeça aos empregados, embora nunca nenhum ficasse paralisado. Dois ou três minutos depois lá tinha o pedido prontinho e impecável à minha frente. Meses depois, verifiquei que o mesmo pedido passara a ser executado com a mesma desenvoltura dos pedidos standard. Eram os ecos de um cliente ouvido e de um atendimento eficiente.

A partir de 2005 passei a frequentar McDonald’s de muitos países europeus, onde, mais uma vez, pedia dois hambúrgueres só com cebola. O caos. Estupefactos e apavorados, os empregados invariavelmente chamavam os chefes, que, a custo, e com cara menos amável, lá acabavam por me entregar o pedido passados dez minutos. E foi durante os muitos dez minutos que esperei em diversos países que fui observando a menor velocidade do serviço dos pedidos standard quando comparados com o eficiente serviço em Portugal. E assim, meio revoltado, constatava que a superior produtividade da Cláudia relativamente ao Helmut lhe fornecia inferior felicidade económica no final do mês.

Atento ao assunto, questionava-me se a quantidade de grandes empresas nesses países desenvolvidos de demorado serviço McDonald’s não poderia ser a razão de ser deste hiato. Talvez. E à medida que a profissão me levava por grandes organizações por essa Europa, reparava não existirem especiais diferenças de performance entre os Alfredos e os Carstens para as mesmas tarefas. Inclusivamente, havia as mesmas paragens para cafés e conversas. Com o passar dos anos, parecia cada vez mais evidente que a abundância destas grandes organizações e seus produtos e serviços de elevado valor iam permitindo que noutras áreas os Helmuts pudessem alcançar felicidade económica superior para inferior nível de produtividade. E embora calculando que existam outras explicações, esta parecia ser condição necessária.

No entanto, esta visão chocava de frente com a doutrina das inúmeras luminárias nacionais, que, sempre bem munidas de infinita arrogância, desde há décadas infestam o ouvido do português, para prejuízo deste, com o discurso de ódio a tudo o que é, ou possa vir a ser, grande organização ou multinacional. Por outro lado, outros, que não estes eruditos, vinham com o discurso fatalista de que o bem-estar económico é só para alguns, e que os demais, entre os quais os portugueses, estão condenados à sua condição. Pobres portugueses, que não se deram conta da armadilha em que caíram ao acreditarem que as fronteiras do pensamento se confinavam a estes portentos.

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E terá sido assim, com esta visão muito limitada sobre as possibilidades de crescimento do bolo em Portugal, que o radical foi-se dedicando ao berro como forma de obter a maior fatia possível, e o acomodado foi-se dedicando aos truques que lhe permitem influenciar as regras do jogo em seu benefício.

Estava o assunto arrumado nestes termos, quando apareceu a Irlanda, que, se pobre no passado, tornou-se rica no presente. A Irlanda é curiosa. Para além de desapontar também no meu índice McDonald’s, possui, de entre os países ricos, e ao que julgo saber, um comportamento único no boarding de aeronaves. Nos muitos voos que fiz a partir de Cork tive a oportunidade de analisar a performance com que os irlandeses depositavam as malas de mão, e outros pertences, nos compartimentos por cima dos assentos. Misteriosamente não as arrumavam, colocavam-nas como calhava, o que, em termos de eficiência, não é o melhor cartão de visita. Havendo sinais de que, comparativamente, somos mais eficientes, e tendo sido a Irlanda pobre, não seria de esperar que economicamente pudesse desaparecer da nossa frente. Mas foi o que aconteceu.

Com um IRC estável de 12,5% e uma população de língua inglesa que se educou, a Irlanda não vilipendia as grandes empresas multinacionais, antes tratou de as levar para lá, o que tem permitido aos seus continuar a praticar certas tarefas do modo como sempre o fizeram, e que impressionam qualquer um, como o meu colega alemão, que, na altura, e também dentro do avião, olhava pasmado para a imensa algazarra festiva com que o alegre povo irlandês se ia sentando nos lugares errados e distribuindo as malas sem nexo.

Nesse ano de 2011, lembro-me também que vaguear por Cork era como viajar no tempo e aterrar em 1978, não só no que respeita à indumentária, mas acima de tudo numa certa forma meridional de socialização, como por exemplo a saudável, mas nada eficiente, ocupação de todo o passeio público quando duas famílias alargadas efusivamente celebravam um casual encontro (temos de ir à Irlanda se quisermos mostrar aos nossos filhos como era a vida no século XX). A Irlanda provava que se podia ser como sempre se foi e ao mesmo tempo elevar bastante o nível de vida. E assim, mais uma vez revoltado, pensava nos pesarosos Alfredos, sempre infelizes e muito depenados quando comparados com o alegres e abonados O’Connors.

E é por estes tempos, em que finalmente a realidade anda a tratar de selar a dita elite portuguesa como incapacitada em matéria de crescimento económico, que as Cláudias e Alfredos desta vida vão-se murchando quando poderiam perfeitamente florir. Ou porque sempre tiveram Louçãs que os infestaram com azedumes, ou Catarinas que os contaminaram com sarcasmos, ou Jerónimos que os injetaram com ressentimentos, ou Costas que os iludiram com carochinhas, ou Marcelos que os confundiram com conversas, ou ainda com Pedros Nuno Santos que lhes prometem messianismos. O certo é que ninguém desta mole decadente lhes serviu, ou pode servir, para grande coisa. E os outros, os pretensiosamente sábios, que em voz baixa de confessionário vêm sempre com aquela ladainha muito batida de que Portugal não está fadado para altos voos, também não servem.

Por isso, sugiro às Cláudias e aos Alfredos, mas também aos Bernardos, às Filipas, aos Jorges e às Cristinas, que acordem e comecem a pensar por si e não se deixem levar por tantos que poluem o espaço público com verbo fácil, e em privado com verdades insofismáveis. Desconfiem do arrogante que se acha mais do que o que é, da ressabiada que cavalga o descontentamento, do invejoso que substitui o argumento com tirada ressentida, do espertalhão que acena com a fórmula fácil, do choninhas que se dá bem com a lamechice, do Sebastião que um dia virá, e do pretenso sábio que julga conhecer as possibilidades do lusitano. E fiquem também de pé atrás com os maldizentes das grandes empresas e multinacionais, sempre muito disponíveis no alerta das suas imperfeições, mas nunca dispostos na enumeração das suas qualidades, pois estou ainda por encontrar algum que, uma vez retorquido com uma, fosse capaz de a negar.

Por isso, se querem experimentar bem-estar económico, libertem-se dos maus conselheiros, olhem lá para fora, e exijam uma economia com muitas grandes empresas. Com estas referências, a olhar só para dentro, e só com pequenas empresas, não fomos lá.