Houve tempo em que as televisões, por esta altura, preparavam afanosamente o lançamento das chamadas “novas grelhas” de programação, o que era feito, por norma, com pompa e circunstância, abrangendo as novidades previstas para a temporada outono-inverno.

Com o “streaming” e a mudança de hábitos no consumo de televisão, as “grelhas” passaram de moda, obrigando os responsáveis de conteúdos a fazerem “pontaria” para outros formatos promocionais.

Em contrapartida, o que não caiu em desuso, foi a chamada “rentrée”, francesismo no qual insistem os líderes políticos, à falta de melhores ideias, supostamente para indiciarem as estratégias partidárias que tencionam seguir nos meses seguintes, com coreografias ajustadas aos seus objectivos.

Foi assim no Pontal com o PSD, ou em Olhão com o Chega. Como foi, também, assim na Quarteira com os liberais, neste fim de semana. Mais adiante, serão os comunistas na Atalaia, os centristas em Oliveira do Bairro e os socialistas e bloquistas em Tomar e Braga, entre a Academia e o Fórum. Um corrupio e uma canseira recheada de lugares-comuns.

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São momentos festivos, de exaltação partidária, onde se seguem rituais próprios como, antigamente, nas “grelhas” televisivas, prevalecendo o estafado princípio do “vira o disco e toca o mesmo”.

O país assiste ou alheia-se, entre a curiosidade e a indiferença, enquanto os líderes trocam recados, com as cumplicidades mediáticas do costume, vertidas em “directos” e em painéis de comentadores, como no futebol, a seguir à transmissão de um jogo.

Os problemas mais sérios do país continuam intocados onde estão, arrumados ao canto da gaveta, enquanto os líderes regressam a casa com o sentimento do dever cumprido em férias.

A política portuguesa, mesmo que mude de protagonistas, não muda no essencial. Sem grande “frisson” nem novidade que valha a pena. Ao gosto das corporações influentes.

As televisões transformaram-se em refúgio de ex-governantes que, nuns casos por falta de emprego de “recuo”, e noutros pela preocupação de não serem esquecidos, vestiram o fato de “comentadores”, alguns com visível falta de vocação para se sentarem em estúdio com uma câmara pela frente.

O fenómeno, que é uma originalidade bem portuguesa, agravou-se com o aumento da oferta de canais temáticos de informação, que, em bom rigor, se mimetizam, cultivando os mesmos tiques e “soundbites” políticos. A mudança de governo fez o resto.

A juntar aos ex-governantes — além de ex-autarcas e autarcas em funções —, o “painel de bordo” foi reforçado (desde que começou a invasão russa da Ucrânia e, mais tarde, com a ofensiva de Israel contra o Hamas na faixa de Gaza), por um respeitável elenco de “especialistas”, com destaque para vários oficiais-generais na reserva.

Tal como sucedeu durante a pandemia de Covid-19, quando se multiplicaram em antena, como cogumelos, os “especialistas” em saúde pública — os virologistas e outros entendidos em vacinas e artes afins —, também os conflitos recentes na Ucrânia e em Gaza passaram a dominar a paisagem do “comentariado” televisivo.

O elenco não estaria completo sem incluir — talvez na mesma lógica do confronto político entre esquerdas e direitas —, os generais “amigos” de Moscovo, que se “esfarrapam” para veicular as posições habituais do Kremlin, ou do Hamas, como se fosse a coisa mais natural numa democracia ocidental e num país membro da NATO.

O curioso é que há entre esses acérrimos defensores de Putin — sem contraditório, perante interlocutores passivos, com os quais “contracenam” —, quem tenha prestado serviço na NATO, algo que não condiz, nem se alcança, à luz das suas actuais posições.

Suspeita-se que seja a isto que chamam pluralismo. Claro que os telespectadores, que não sejam inteiramente desprevenidos, dispõem sempre do comando para mudar de canal, mas a semente da propaganda vai germinando no terreno da informação.

A liberdade de Imprensa e de expressão não pode servir para fragilizar as democracias e permitir o avanço de novas utopias e de narrativas totalitárias, seja pela via ideológica, religiosa, cultural ou mediática.

O que vemos e ouvimos em vários espaços de pseudodebate, com frequência, principalmente nos canais temáticos, são exercícios de desinformação, tratados com falsos argumentos, num discurso que passa por convincente.

As televisões e as redes sociais transformaram-se nos novos palcos de combate político, que, em não raros casos, são uma entorse aos mais elementares princípios democráticos. Um dia sentiremos isso na pele.

Se há critérios editoriais mais baços, que dizer da nova Entidade para a Transparência, criada com a finalidade de agilizar a consulta às declarações patrimoniais e de rendimentos a que estão sujeitos os políticos, e cuja prática tem vindo, aparentemente, a contrariar esses propósitos?

Ao que parece, aquela Entidade, que avocou uma competência do Tribunal Constitucional, estará a complicar o acesso às declarações obrigatórias dos políticos, tornando-o moroso e burocrático, e invertendo a simplicidade que caracterizava a consulta.

Nos termos da lei, compete à Entidade da Transparência — que, na sua génese, passou por várias vicissitudes — “a apreciação e fiscalização da declaração única de rendimentos, património e interesses dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos”, com o objectivo de “contribuir para o escrutínio dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos”.

Ora o problema é esse. Queixam-se os jornalistas, secundados pelo seu Sindicato, de que o referido escrutínio ficou coxo, e o que era artesanal, mas simples, tornou-se complexo.

Irónico, o Sindicato ainda admitiu que se tratasse de “excesso de zelo”, concedendo ao novo órgão o benefício da dúvida.

O certo, porém, é que a plataforma electrónica da Entidade para a Transparência (EpT), passou a exigir, conforme foi noticiado, “requerimento fundamentado” para a universalidade dos requerentes, um crivo ao qual não escapam os jornalistas, sujeitos também a pedidos de esclarecimento sobre a natureza da consulta.

Tais exigências, embora consentidas pela lei, foram denunciadas pelo Sindicato, que as viu como “uma tentativa de limitar o trabalho jornalístico”, algo considerado intolerável, porquanto é suposto que um jornalista não tenha de se justificar “porque é que pede um acesso a documentos que devem ser públicos”.

O diploma foi aprovado pelo Parlamento em 2019 e, pelos vistos, os deputados que o votaram favoravelmente estariam distraídos, não o leram bem, ou se leram não perceberam ou não valorizaram.

Curiosamente, PCP e CDS opuseram-se e votaram contra este novo organismo, que apelidaram de “polícia dos políticos”, e que só foi formalizado em fevereiro de 2023.
Recorde-se a linguagem metafórica então usada, quer pelo presidente do TC, João Caupers, quer pela recém-nomeada presidente da Entidade, Ana Raquel Moniz.

Para Caupers, a EpT “não vai resgatar os pecados do mundo”, enquanto Raquel Moniz advertia, já senhora do seu papel, que “não se devem escamotear as escarpas íngremes cuja escalada se impõe”…

Pelos vistos, os jornalistas interessados em aceder às declarações de políticos já começaram a experimentar as dificuldades das “escarpas íngremes” que dantes, no TC, não existiam, embora a EpT sustente que “nenhum pedido foi até agora indeferido”.

Bastará ler, contudo, o diploma que deu origem à Entidade para se perceber que, se o regulamento for levado à letra, há sarilhos no horizonte e que a opacidade poderá substituir as melhores intenções.

Convirá, no entanto, ressalvar que uma coisa é o necessário escrutínio das figuras públicas. Outra, bem diferente, é o aproveitamento ou o “voyeurismo”, patente em algumas publicações, sobre o património ou os rendimentos de alguns políticos. Entendamo-nos: escrutínio não é devassa.

A propósito de devassa da privacidade de actores políticos, será de notar que, invariavelmente, todos os anos, durante a pausa estival, desponta um verdadeiro alvoroço à volta do seu poiso em férias.

Quando são localizados (ou se põem a jeito…), as revistas “cor-de-rosa” entram num frenesim, e mesmo a imprensa de referência segue-lhes no encalço. A política em calções tem os seus encantos…

Desta vez, foi um fartote, na orla algarvia. No intervalo dos banhos montaram-se os comícios. E se Luís Montenegro escolheu o Pontal como cenário da festa social-democrata, André Ventura não quis ficar atrás, e reapareceu em Olhão, desejoso de dar nas vistas. Ambos seguiram nas escolhas o bom exemplo de Marcelo Rebelo de Sousa, que trocou a cosmopolita Quinta do Lago pela massificação popular da praia de Monte Gordo.

Todos tiveram direito às televisões por perto e mereceram, por vezes, “directos” e a atenção dos “comentadores”. Mas, em relação a Ventura, quando as televisões desligaram do comício, os ecos foram parcos na imprensa publicada ou editada online.

Nisto, o tratamento mediático dos extremos do espectro político será sempre muito diferente.
Houve até quem comentasse, ao estilo de porta-voz socialista, que “a receita de André Ventura tem os seus dias. A rentrée não foi um dos melhores dias”.

Terá sido um erro de avaliação, já que Ventura usou os estribilhos habituais, desde colar o governo ao PS, à migração sem controlo e à insegurança, além do foco no referendo, muito provavelmente condenado à partida, por falta de interesse na coligação no poder. Não defraudou os adeptos.

Ao contrário de Ventura — ou de Rui Rocha, (este acossado internamente e que optou por celebrar na Quarteira o liberalismo e virar no discurso as “baterias” contra o governo) quem verdadeiramente surpreendeu foi a ministra da Juventude, Margarida Balseiro Lopes, ao sair em defesa da linguagem “inclusiva” e “neutra” da Direcção-Geral de Saúde (DGS), apadrinhada pelo “eterno líder” da JSD, Carlos Coelho, ex-eurodeputado e organizador habitual das academias social-democratas em Castelo de Vide.

De facto, houve algum reboliço, tanto no interior do PSD como do CDS, e houve mesmo quem reagisse, incrédulo, à revelação woke da ministra, que decidiu dar cobertura ao disparate da DGS, que, em nome da novilíngua em vigor, inventou a expressão “pessoas que menstruam”, em lugar de mulheres, para gáudio de quem ainda conserva um módico de bom senso.
As “guerras” à volta das questões do género subiram de tom. E já se percebeu que as comunidades e a doutrina LGBT têm aliados no governo e na DGS. Diz a sabedoria popular que “no melhor pano cai a nódoa…”

Descontados os “fait divers”, confirmou-se na reabertura da época política uma apreciável fragmentação, tanto à direita como à esquerda.

E como ninguém nas oposições está genuinamente interessado em provocar outra crise e novas eleições antecipadas, na “bolsa das apostas” a mais concorrida parece indicar que o Orçamento passa no meio do conveniente alarido. O resto, são histórias de embalar. Por muito que lhe custe, só por milagre Montenegro voltará tão cedo a votos…

Nota em rodapé — Os incêndios florestais na Madeira testaram a Proteccão Civil e os bombeiros regionais, e expuseram o comportamento errático e as fragilidades de Miguel Albuquerque.

Os maus exemplos do Continente chegaram à ilha e o “passa-culpas” procura agora encobrir o que falhou nos dispositivos de combate ao fogo.

Costuma dizer-se que uma desgraça nunca vem só. E neste desastre, que dizimou uma importante fatia da floresta madeirense, que levará muito tempo a recompor-se, se Albuquerque não andou bem, o líder regional do PS, Paulo Cafôfo, esteve ainda pior. Ao menos Alberto João Jardim, com todos os seus defeitos, sabia o que queria, dava o exemplo e impunha respeito. A simpatizantes e a opositores.