Quando me falam em inteligência artificial, em agentes, em bibliotecas de informação, nos recursos de um LLM, fico a pensar. O que vamos ser ou já teremos de ser? De facto, este avanço da IA representa uma das maiores revoluções na educação e vai exigir dos professores uma profundíssima adaptação. Uns morrerão. Incontornável. Outros sobreviverão com fortíssimas dores. Haverá os que irão triunfar, mas como serão? Ninguém sabe.
Uso muito esta frase do The Professor, «[…/…] Um professor é, ao mesmo tempo, um sargento instrutor, um rabi, um ombro amigo, um disciplinador, um cantor, um erudito de baixo nível, um funcionário administrativo, um árbitro, um palhaço, um conselheiro, um controlador de vestimentas, um maestro, um defensor, um filósofo, um colaborador, um dançarino de sapateado, um político, um terapeuta, um louco, um polícia de trânsito, um padre, um pai-mãe-irmão-irmã-tio-tia, um contabilista, um crítico, um psicólogo, o último reduto», Frank McCourt, 2005.
De facto, nada aqui nos diz que transmitimos conhecimento ou informação. Mas diz que somos alguma “coisa” e, se possível, uma figura de referência, de valores, de diálogo, de construção de melhores seres humanos e profissionais. Já em 2005 era assim. Continuará a ser assim?
Ou seja, em vez de apenas transmitirmos conhecimento (ou nem isso), temos de evoluir para mentores que guiam alunos num journey de aprendizagem personalizada e apoiada pela tecnologia. A IA está a redefinir totalmente o que significa ensinar, exigindo-nos que sejamos até mais do que mediadores de conteúdo e nos transformemos em facilitadores de pensamento crítico, de autonomia e de capacidade de adaptação dos nossos alunos. Fazê-los crescer é o objetivo. Criar impacto é o objetivo. Mas para quem anda há anos nisto mudar é complexo. Mas inexorável.
Julgo que a primeira e mais importante mudança é o desenvolvimento de uma “mentalidade de crescimento” para nos adaptarmos a novas ferramentas e a novos métodos. A IA permite que o ensino vá além do tradicional “um para muitos”, adaptando-se ao ritmo e estilo de aprendizagem de cada aluno, tornando o processo mais personalizado e eficaz: self-paced. Nesse contexto, o professor passa a ser um designer de experiências educacionais, que orienta o uso de IA para auxiliar cada aluno a alcançar o seu melhor.
Além disso, a IA traz consigo dados que podem ajudar o professor a compreender mais profundamente o progresso de cada aluno. Passa a ser possível identificar padrões de aprendizagem e dificuldades específicas, ajustando métodos e abordagens conforme necessário. Assim, devemos ser capazes de interpretar esses dados e, mais importante, fazer as perguntas certas, assumindo um papel de “cientista” do próprio processo educacional. Essa capacidade de análise promove um ensino mais proativo e menos reativo, onde devemos antecipar as necessidades do aluno.
No entanto, para esta transformação ser bem-sucedida, precisamos de desenvolver habilidades digitais e éticas, no sentido de utilizarmos a IA de forma responsável. A IA, embora poderosa, não substitui o contato humano nem a sensibilidade pedagógica; antes, amplia a capacidade de conexão. Isso implica uma responsabilidade ética no uso da tecnologia, preservando a integridade e a privacidade dos alunos, além de assegurar que a IA seja uma aliada no desenvolvimento de competências socio-emocionais.
Por fim, o professor do futuro imediato será um catalisador de transformação na sociedade. Teremos que incentivar a curiosidade, o pensamento crítico e a criatividade, qualidades que a IA ainda não possui (plenamente). Essa transformação não significa abandonar o papel tradicional, antes ampliá-lo, abraçando novas responsabilidades que promovam uma aprendizagem mais completa e alinhada à procura proveniente de um mundo em mutação gigante. Assim, temos de evoluir de transmissores de conhecimento para facilitadores de inteligências, adaptáveis e comprometidos com o desenvolvimento contínuo dos nossos alunos. Mas também de nós próprios.
Por isso não se importem de terem de ser os palhaços de um circo. Ou um ombro amigo, ou os disciplinadores e árbitros do jogo, ou os cantores improvisados, ou os funcionários administrativos, ou os conselheiros, ou os dançarinos de sapateado, ou os terapeutas, ou os loucos da festa, ou os pais-mães-irmãos-irmãs-tios-tias. Preservem, pois, a qualidade de se tornarem, no ambiente universitário, os últimos redutos das pessoas que por nós passam. Porque devemos continuar a fazer crescer pessoas. Seres humanos inteiros.