Vivemos os primórdios da “sociedade da comunicação”, aquilo que gerações futuras irão apelidar de “informação selvagem”. Graças ao poder da técnica e dos meios de divulgação, hoje temos imensos dados, reportagens, mensagens e opiniões, e andamos mais confusos e desorientados que nunca.
Claro que o problema sempre existiu, mas uma geração que adote as promíscuas redes sociais como fonte de notícias só pode chegar a limites inauditos. Vemos a nação mais sofisticada e avançada da história a preparar-se para eleger como presidente um narcisista doentio e boçal, devido, não às suas propostas políticas, que não apresenta, à sua ideologia, que não tem, ou à sua competência, que não existe, mas apenas à notoriedade que granjeou com a apresentação de concursos de televisão e uma sequência infindável de escândalos. Isto é “informação selvagem”. No entanto, a doença é bastante mais profunda que estes fenómenos epidérmicos, como ilustra um exemplo pontual, mas revelador, retirado de uma das poucas referências sólidas que ainda resta neste tempo desiludido.
No meio da enxurrada noticiosa, as universidades conseguem permanecer como fontes consensuais de conhecimento. Nelas, a área mais pragmática e lúcida, isenta de elucubrações académicas, é a escola de negócios. Deste modo, o paroxismo do delírio atual revela-se na imagem das faculdades de gestão engalfinhadas à volta de um documento, que elas têm de saber ser completamente distorcido e enganador.
Os “rankings” das “business schools” são listas dessas instituições, alegadamente ordenadas pela qualidade de ensino, mas resultado de vários erros e manipulações estatísticas. Se algum aluno dessas escolas cometesse esses dislates nas aulas seria imediatamente reprovado, apesar de os professores se mostrarem enfeitiçados por eles.
Dada a importância dessas listas, a era da informação naturalmente multiplicou-as; hoje existem rankings para todos os gostos. Em reação, também naturalmente, as escolas de qualidade só ligam aos devidamente certificados, como os publicados pelo prestigiado jornal Financial Times (FT). Aí, então, é que os vícios da época vêm mesmo ao de cima pois, apesar de toda a reputação do jornal e das academias, a tolice fervilha.
O que o periódico faz é recolher muitos dados, a maior parte deles fornecidos pela própria escola que vai ser avaliada, usando-os depois em cálculos que misturaram tudo num simples índice. O método é evidentemente secreto, mas vários erros são óbvios. Basta ver que se ordena, não cursos, que é o que interessa, mas escolas. E nessas misturando as mais diferentes, por exemplo na dimensão. Qualquer um entende que ter uma boa média em 20 licenciados é muito mais fácil que em 200. Além disso, o FT permite às escolas fortes manipulações patentes, aceitando que apenas reportem os valores de um “programa premium” com os 20 melhores, apesar de depois o índice classificar toda a faculdade. Outro erro fatal é que o estudo nunca considera a qualidade do ensino, pois mede os graduados à saída, desconhecendo-os quando entraram. Boa média com bons admitidos até uma escola má consegue; qualidade de ensino é melhorar os medíocres.
Isto, porém, não é o pior. Admitindo que a análise realmente revele o que pretende, o que sabemos ser falso, aquilo que sai do tal método sigiloso é um índice; mas o jornal publica, não isso, mas a simples ordenação desse índice. Esta é a suprema manipulação: imagine três escolas, 11.ª, 12.ª e 13.ª, praticamente iguais, e muito acima da 14.ª. A arbitrariedade dos cálculos vai prejudicar fortemente a 13.ª e favorecer muito a seguinte. Além disso, as faculdades publicitam as subidas na ordenação, sabendo que essa evolução é inválida, pois as instituições incluídas variam de ano para ano.
Muitos dizem que os rankings das escolas de negócios, apesar de maus, são melhor que nada. Isso é outra tolice, pois eles não são usados nos negócios verdadeiros, preferindo-se o sistema de estrelas nos hotéis, classes nos aviões ou divisões no futebol. Nunca se viu uma empresa dizer que é a 25.ª na Europa e 55.ª no mundo.
Este exemplo é apenas um caso particular, mesmo se bastante revelador. Só que temos de dizer que ele está hoje a generalizar-se, glorificar-se e petrificar-se naquilo que se chama “inteligência artificial”. O que esses algoritmos, tão ingenuamente divinizados na era da informação selvagem, fazem é utilizar métodos semelhantes para determinar automaticamente quem recebe empréstimo do banco, é contratado pela multinacional e até a dimensão da pena de um condenado em tribunal.
É óbvio que as gerações futuras, precavendo-se destes exageros infantis, olharão para esta nossa sociedade da informação, primitiva e grosseira, como nós consideramos hoje a medicina dos feiticeiros ou a democracia da guilhotina e do gulag. O princípio básico que então se utilizará, e que devemos aplicar desde já, é simples: informação não é conhecimento, e este não é sabedoria. O nosso erro é multiplicar a primeira, diluir o segundo e omitir a terceira.