O mais recente livro de Robert Shiller, Narrative Economics, é um relato detalhado de como a história impulsiona os eventos económicos e financeiros e como as recessões, depressões e o pânico se espalham rapidamente como um vírus. Sim, o livro está cheio de linguagem epidemiológica, mutações e contágios.
Parece um livro saído no pós-pandemia. Mas não. O livro foi publicado em 2019, antes de falarmos fluentemente em vírus e pandemias e é um trabalho desenvolvido pelo professor, economista e prémio Nobel ao longo de vários anos.
A verdade é que tendemos a pensar em termos de narrativa, selecionando os dados e informação que melhor se adaptam à nossa própria visão. Depois temos um conjunto de ferramentas para propagar essa narrativa, tornando-a numa história viral e, se possível, polarizada.
Na indústria financeira, os critérios ambientais, sociais e de governação, ou ESG (o acrónimo para a versão inglesa Environment, Social, & Governance), são outro exemplo de uma narrativa que tem sofrido várias mutações ao longo das últimas décadas. Começou por ser conhecida como investimento ético, depois evoluiu para investimento socialmente responsável e agora aparece como ESG.
Apesar do frenesim à volta do tema e das críticas que tem recebido, há algo na narrativa ESG, assim como na bitcoin & blockchain, que é genuinamente atraente e nas quais as pessoas querem mesmo acreditar.
O que é o ESG Investing?
O Investimento Sustentável, ou ESG Investing, é uma abordagem ao investimento que inclui critérios ambientais, sociais e de governo corporativo no processo de tomada de decisão, lado a lado com os fatores financeiros tradicionais, com o objetivo de atingir os objetivos de longo prazo do investidor ao mesmo tempo que gera um impacto positivo no planeta.
O ESG está a emergir na indústria financeira de forma avassaladora. A pandemia da Covid-19 acelerou o processo, a transferência de riqueza entre gerações gerou a oportunidade e revelou novas motivações. O mundo parece clamar pela sustentabilidade como o novo normal e esta filosofia como fator fundamental para o desenvolvimento económico e social e preservação da vida no planeta.
A ideia é responder a uma necessidade de uma nova geração de investidores mais consciente em termos éticos, ambientais e sociais e mais interessada em sustentabilidade e valores para além do lucro financeiro. Mas também uma oportunidade para diversificar as receitas e combater a redução gradual das comissões de uma indústria altamente competitiva.
Principais critérios ESG para a tomada de decisão
Na grande variedade de preocupações podemos encontrar as questões humanitárias, éticas, anticorrupção, ambientais, educação, climáticas, demográficas, sociais ou a segurança de dados. Mas também indústrias como a do armamento (nuclear e produzidas para a sociedade civil), tabaco, empresas que não cumpriram com os princípios UN Global Compact, a produção em centrais de carvão e a indústria de extração de petróleo em areias betuminosas.
Resumindo, podemos elencar da seguinte forma as três componentes do ESG:
- Ambiente. Que tipo de impacto uma empresa tem no ambiente? Deve incluir a pegada de carbono, utilização de produtos químicos no processo produtivo e os esforços de sustentabilidade na sua cadeia de logística. As áreas de intervenção são as mudanças climáticas, recursos naturais, lixo e poluição.
- Social. A melhoria do impacto social inclui a equidade, igualdade, diversidade e a procura do bem-estar social. Especial atenção para aspetos como o capital humano, responsabilidade do produto ou serviço e oportunidades sociais.
- Governo. Como a administração se coloca para uma mudança positiva, princípios éticos, diversidade, sistema de remuneração da direção executiva e a interação com os acionistas.
As diferentes estratégias do investimento sustentável
O termo investimento ESG é muitas vezes referido de forma transversal incluindo no mesmo acrónimo o investimento sustentável, investimento socialmente responsável e o investimento com impacto.
Apesar de relacionadas existem algumas diferenças importantes entre estas estratégias:
- ESG Investing: Abordagem focada em empresas que fazem um esforço ativo para limitar o seu impacto social negativo ou entregar benefícios para a sociedade. As boas práticas incluem comportamentos ao nível ambiental, social e de governação das próprias empresas.
- SRI – Investimento socialmente responsável: Significa escolher investimentos que excluem negócios e empresas que entram em conflito com os valores do investidor. As exclusões SRI mais comuns são as empresas de energia não renovável, armamento, tabaco, jogo ou álcool.
- Impact investing: Investimento com impacto caracteriza-se por uma relação direta entre as prioridades baseadas em valores e o uso do capital dos investidores, com o objetivo de gerar e quantificar um impacto social positivo. O investimento no desenvolvimento económico em comunidades e sociedades com baixos rendimentos ou a redução da pegada de carbono são alguns exemplos.
Os riscos do investimento ESG
Todas as estratégias de investimento têm risco. E com as estratégias sustentáveis não é diferente.
O risco mais importante neste momento talvez sejam as classificações e métricas utilizadas para índices ESG que, nesta altura, são complexas, cómicas e variadas.
Por um lado, os investidores procuram satisfazer as suas motivações e os seus valores pessoais para investir de forma sustentável e, ao mesmo tempo, gerar um desempenho de investimento sólido. Por outro lado, também aumenta a possibilidade de que algumas empresas de investimento usem a designação ESG para adquirir novos clientes sem implementar estratégias de investimento ESG rigorosas.
Uma análise dos académicos Elroy Dimson, Paul Marsh e Mike Staunton para o Credit Suisse Global Investment Returns Yearbook de 2020, sugere que é ainda perigoso tentar usar as atuais métricas no investimento passivo. As métricas divulgadas por empresas como a MSCI ou a FTSE revelam baixas correlações, ou seja, revelam grande disparidade de resultados e diferentes conclusões para o mesmo critério ou produto financeiro.
Tradicionalmente, para lidar com uma externalidade negativa como a poluição, a receita era torná-la mais cara através da emissão de taxas de emissão de carbono, multas ambientais ou licenças.
Contudo, esta abordagem não premiava as empresas ou indústrias que apresentavam tecnologia ou produtos para solucionar o problema. O atual sucesso da Tesla de Elon Musk, ou da Ark de Cathie Wood, demonstra que trabalhar de forma positiva com base em metas sustentáveis tem futuro e poderá ser visto como uma opção devidamente remunerada em relação ao risco.
Perante este cenário, e à falta da tal abordagem sistematizada e consolidada, a indústria tem virado o discurso e o marketing para o impacto positivo.
A análise de dados é também um dos riscos. Com a evolução do investimento ESG vamos perceber se de facto os critérios estão ou não a funcionar e a serem implementados.
Até porque os prospetos e fichas técnicas de instrumentos como ETF ou fundos de investimento, continuam a não fornecer a informação necessária para validar se os critérios ESG estão ou não a ser cumpridos. É que a quantidade de dados a analisar é colossal. Imagine o cenário de um investidor que não quer ou não pode investir num ETF ou fundo de investimento que invista em empresas cujas receitas dependem em mais de 10% de produtos relacionados com a indústria da pornografia, por exemplo. A solução é fazer de conta que as regras complexas e tão díspares estão a ser aplicadas corretamente?
Nos últimos meses apareceram análises sustentando que estas estratégias (fundos e ETF ESG) podem obter melhores rentabilidades quando comparadas com alternativas não ESG. A ideia é que as empresas que melhor gerirem os riscos ambientais e que melhor defenderem e respeitarem as questões éticas e sociais podem ter melhores resultados no futuro. Serão os produtos e serviços dessas empresas que os novos consumidores vão procurar.
Mas há o risco de os resultados não serem os esperados e até a possibilidade de as empresas abandonarem a sua visão sustentável tornando o investimento ESG não prioritário.
Outro fator a considerar são os custos. Apesar de estarmos numa tendência de redução dos custos associados à gestão de patrimónios, os fundos e ETF ESG são, em regra, mais caros do que outras categorias como as estratégias growth e value ou de baixa volatilidade.
Este artigo do Wall Sreet Journal refere que a sustentabilidade tem sido boa para Wall Street, pois os fees de gestão estão mais altos 43% do que nas estratégias standard.
Não é, por isso, de estranhar que, nos últimos meses, tenham surgido vários produtos de investimento, novos ou renomeados, sob a forma de ETF (Exchange-traded funds), fundos de investimento ou mesmo obrigações, com o selo ESG, da sustentabilidade e socialmente responsáveis. Um processo de certa forma duvidoso, que mais parece um placebo cheio de opacidade do que uma mudança de paradigma.
O que está a mudar na indústria financeira?
A criação de regras mais uniformes, equilibradas e precisas parece ser então o próximo passo para sustentar este conceito e torná-lo efetivo e decisivo no processo de investimento.
O CFA Institute, a associação global de profissionais de investimento que define o padrão de excelência profissional e credenciais da indústria financeira, lançou o primeiro certificado global de investimento ESG. Este novo programa de educação global estabelece padrões, permitindo que os profissionais de investimento analisem e integrem fatores ESG no seu processo de investimento. É um primeiro passo para estabelecer um ambiente mais coerente neste processo.
Permitirá uma melhor reposta às necessidades dos investidores e da sociedade. Além do aparecimento de um investidor mais jovem e consciente dos valores ESG, temos também o papel cada vez mais importante das mulheres nas decisões de investimento. Algumas reflexões divulgadas pelo The Economist e pela Mckinsey apresentam ideias importantes: as mulheres querem uma experiência diferente, um serviço personalizado, um advisor que entenda a sua personalidade. É mais importante cumprir objetivos, pagar o colégio aos filhos ou netos e comprar uma segunda casa, por exemplo, do que bater o mercado. E o ESG encaixa nesta filosofia de vida.
O crescimento da oferta não pode ser visto como um aumento direto da dificuldade e da complexidade, mas como um conjunto mais alargado de soluções para construirmos carteiras de investimento mais personalizadas e alinhadas com os nossos valores e interesses.
E esta é a grande vantagem que a onda de sustentabilidade poderá trazer no imediato às opções dos investidores. A outra, é certamente mais importante e abrangente, e poderá significar melhor qualidade de vida e o respeito pelo ambiente, pela ética e pela equidade.
Os investidores querem acreditar que não é apenas um placebo. A indústria olha para o momentum como uma máscara. Será sustentável?