Tenho chegado à seguinte conclusão: pior do que acreditar em teorias da conspiração é não crer em nenhuma. Não crer em nenhuma conspiração é perder a oportunidade de sair daquela que não só existe como foi também preparada especialmente para mim. Não é uma questão de crer ou não em conspirações; é saber qual é a que nos coube. O mais enganado é quem julga que ninguém o quer enganar. O facto de haver tanta gente enrolada em teorias da conspiração sem cabimento, não prova que não há uma verdadeira feita exactamente à nossa medida.
Não tenho chegado a estas conclusões de qualquer maneira. O meu amigo José Carlos Portugal ofereceu-me no ano passado o livro “O Código dos Códigos—a Bíblia e a literatura” do Northrop Frye. Uma verdadeira pérola. Cheguei tarde ao Frye mas cheguei, com aquele deslumbramento que agora surge fora de horas mas pronto a aplicar o que nele li a qualquer momento. Cito-o, por isso, dia sim, dia sim. Que é o que farei agora mesmo, neste cruzamento entre conspiração e crença que tanto me interessa.
Diz, a páginas tantas, o bom Frye falando sobre Job, o grande sofredor bíblico: “Como Job se colocou na sua actual circunstância [de grande sofrimento] é menos importante do que o modo como ele poderá sair dela; e é precisamente porque ele não participou da criação que pode ser salvo do caos e das trevas no seu interior. O discurso de Deus (…) não faz sentido sem a visão do Behemoth e do Leviatã no final, pois esta é a chave para ele. Se Deus pode fazer ver estes monstros a Job, isto significa que Job se encontra no exterior deles, e que já não está submetido ao seu poder.”
Vamos traduzir isto em miúdos? A história de Job trata de um homem tramado cósmica e celestialmente por um tipo de conspiração. O Diabo aposta com Deus que Job não é tão crente assim e que, se provar algumas aflições das severas, rapidamente abandonará a bela crença que tem. Deus topa a aposta e, em menos de nada, Job sofre tragédias seguidas: morre a família, perde a fortuna e adoece. Job é vítima de uma conspiração para a qual não tem explicação. O que nos sobra quando sofremos sem compreensão? A crença.
E Job crê. Crê que não é justo o sofrimento que atravessa e crê que só Deus o pode livrar. É preciso reconhecer que o modo como Job crê que Deus o pode livrar não é uma piedadezinha qualquer em jeito de “desde que tenha Deus comigo, o mal que me acontece é como se fosse bem”. Nada disso. Job crê em Deus na mesma medida em que lhe pede contas pela semelhante injustiça de viver circunstâncias do Diabo. Até a sua mulher lhe tinha dito que mais valia amaldiçoar o Criador e morrer. No livro de Job, crer é não negar a injustiça da conspiração que moveram contra nós. A crença existe na mesmíssima proporção da conspiração.
Na conversa azeda que se desenvolve entre Job e Deus, o último decide responder atrasado, de um modo abrupto e, ainda hoje, demasiado estranho para quem a lê. Entre as frases secas que diz, Deus manda Job olhar para o Behemoth, monstro da terra, e para o Leviatã, monstro do mar. Passo a parafrasear: “Consegues apanhar o primeiro e pescar o segundo, Jozinho? Consegues dominar a cena quando o pior dela conspira contra ti, Jozão?” Não é se as dificuldades da vida serão maiores do que a tua capacidade, é quando. A conspiração é real e crer nela é parte fundamental de sobreviver-lhe.
Daí que as palavras de Frye sobressaiam esperançosas. Job não caça o Behemoth nem pesca o Leviatã. Mas, alertado pelo discurso bruto de Deus, vê-os. Crer em Deus não é impedir as conspirações que se levantam contra nós mas é contemplá-las. O verdadeiro crente é, por isso, o que já detectou a conspiração encomendada para ele. Já o descrente, descrê naturalmente de tudo, teorias da conspiração incluídas. A salvação depende sempre de reconhecer que há um plano qualquer de condenação em curso. Se já vejo o monstro, já não estou na sua barriga. E tu? Já consegues ver o monstro?